Rafael1628 25/09/2023
A vingança de Ahab
"É um épico do mar tal como nenhum outro homem realizou; e é um livro de simbolismo esotérico de profundo significado, e de considerável aborrecimento"
- D. H. Lawrence
"Curvem-se, Caseys McQuinstons, Colleens Hoovers, Alies Hazelwoods e Taylors Jenkinsens Reids. Estais diante de Moby Dick"
- R. F. Costa
Em meio a tantas relações sáficas meia boca, histórias fantásticas recicladas ou requentadas e um soft porn adolescente que tem dominado a plataforma, Moby Dick persiste como um farol da literatura universal, pairando muito acima de publicações vazias e apelativas, escritas à moda de linha de produção seriada, vendidas por escritores preocupados apenas em em aparecer nas listas de mais vendidos da semana e oferendo aos leitores pouco mais do que um prazer passageiro e a falsa sensação de que muitos livros foram lidos naquele mês, como se ler 12 vezes a mesma coisa reescrita fosse meritório.
Moby Dick é, antes de tudo, lento. A narrativa dos três anos da viagem do Pequod é arrastada, como é a própria navegação em alto-mar. Os dias passam no mais das vezes em calmaria, com pontuais ocorrências dignas de registro. Nem por isso, Melville deixou de escrever mais de 600 páginas relatando de forma minuciosa a atividade de pesca baleeira, as operações de condução do navio, o desempenho das tarefas cotidianas na embarcação e a própria biologia marinha, evidentemente dando particular importância às características das cachalotes.
Além de refletir a velocidade da navegação, a narrativa muito lentamente constrói a personalidade do Capitão Ahab, que começa como um recluso em sua cabine e aos poucos vai deixando clara sua instabilidade psicológica e monomania, que contamina toda a tripulação.
Dito isso, deve ter ficado claro que a obra é densa e, frequentemente, aborrecida, como qualificada por D.H. Lawrence. No entanto, assim é a literatura, que não recorre a extravagâncias para manter o leitor "motivado", afinal, "quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor", apenas para citar outra obra marítima.
A linguagem utilizada por Melville, conquanto inicialmente soe deslocada, tendo em vista que os personagens são, em sua vasta maioria, homens rudes e de pouca instrução, demonstra-se extremamente adequada, acrescentando ares de nobreza à atividade pesqueira e, simultaneamente, no campo da metalinguagem, cria no leitor a impressão de estar acompanhado um épico medieval ou uma peça de teatro.
"Ain, tem termos náuticos demais, não entendi nada"
80% da história se passa no mar, à bordo de um navio. Esperava o que? Que o vocabulário fosse relacionado ao centro de São Paulo?
O livro é difícil, árido e desafiante, mas recompensador, tal qual a jornada de Ishmael, e a sua permanência no imaginário popular só reforça o impacto da obra.
Isso, srs, é Literatura.