Olguinha 25/09/2019
Obra enriquecedora!
A Rebelião das Massas é um livro não ficional, um ensaio filosófico de José Ortega y Gasset que o escreveu em forma de artigos publicados, em 1929, no antigo periódico espanhol El Sol.
O livro, na edição da Vide Editorial, é precedido de uma introdução de Julian Marías, também filósofo espanhol e discípulo de Gasset. Ela é muito interessante, porque acaba abrindo a mente do leitor para a obra que virá. É como um preparativo e um guia. Um dos pontos levantados por ele é que A Rebelião não é um livro político, embora tenha reflexos nela. O próprio Ortega diz isso "Nem este volume nem eu somos políticos. O assunto de que aqui se fala é prévio à política e pertence a seu subsolo." e critica o "politicismo" que para ele "despoja o homem de solidão e intimidade, e por isso é a predicação do politicismo integral uma das técnicas que se usam para socializá-lo." E acho primordial que o leitor entenda isso ao pegar esse livro, do contrário lerá de forma totalmente parcial e ignorará a tese importantíssima e atual do autor.
Dividido em duas partes (A Rebelião das massas; e Quem manda no mundo?), o livro desenvolve, entre outras coisas, a tese do "homem-massa" e analisa a situação da Europa na época, inclusive prevendo algumas coisas como a organização da União Europeia e os movimentos totalitários que ganhariam um grande espaço nos anos posteriores.
O "homem-massa" é, em outras palavras, um homem médio, medíocre, que ignora o passado, a história, e age com base no imediatismo, sem projeções para o futuro. Isso reflete no poder público representado pelas massas: "onipotente e efêmero". Ele ultrapassa as barreiras de classe social, o homem-massa pode ser encontrado em qualquer uma delas, até mesmo na nobreza. A divisão do autor entre massas ou minorias não é, portanto, uma divisão em classes sociais, mas em classes de homens, sem hierarquização.
O homem-massa não busca de forma alguma ser especial de qualquer modo, não busca ser diferente; pelo contrário, sente-se à vontade em ser igual a todo mundo. Isso se deve a vários fatores: como o fenômeno das aglomerações que leva à angústia do "pertencimento" a um grupo; ou como o fato do avanço veloz técnico-científico que trouxe um sem número de facilidades e direitos, fazendo o homem-médio acreditar que esse sempre foi o estado natural das coisas e não que houve uma luta para consegui-las. Isso leva a massa a acreditar que tem direito sobre tudo, mas nenhum dever; são ingratos a "tudo quanto tornou possível a facilidade da sua existência".
O conceito é amplamente desenvolvido, de forma que não caberia em uma resenha transpor todos os elementos e características do homem-massa, nem é essa intenção, pois isso aqui não é um resumo. Mas é interessante chegar à conclusão do autor de que, porque as massas carecem de um norte, elas se amparam no Estado. Elas precisam dessa instância superior, essa força coercitiva. A qualquer problema, é do Estado que se espera uma solução, como se este fosse pai e mãe da humanidade. A massa parece esquecer-se de que o Estado é uma criação humana e passa a viver em função deste.
A segunda parte do livro se destina a responder a questão "quem manda no mundo?". Aqui Ortega y Gasset se dedica a uma profunda análise da Europa, mas erra ao subestimar os Estados Unidos. É aqui também que expõe sua opinião quanto à formação do Estado: para ele, não é um fenômeno espontâneo de pessoas que se juntam por fatores em comum, como idioma, credo ou etnia. Pelo contrário, "começa quando se obriga a conviver a grupos nativamente separados". A formação do Estado, portanto, é que levaria à homogeneidade do seu povo. E é aqui que, por fim, ele prevê a criação do bloco que hoje conhecemos como a União Europeia.
A leitura dessa obra é enriquecedora. É claro que, para lê-la, como já dito, é preciso despir-se de qualquer visão política. Também é preciso não levar a mal certas tiradas irônicas do escritor, ele consegue ser MUITO ácido com as palavras. Por vezes, pode até parecer que ele era preconceituoso ou elitista pelo seu modo de escrever arrogante, mas é só aparência, numa leitura de mente aberta você entende o que ele quer dizer. Considero um livro para ser lido e relido, acho que sempre conseguiremos aprender uma coisa nova ao relê-lo. Muito à frente de seu tempo, ele conseguiu prever muitas coisas e continua muito atual quando analisamos a conjuntura social e política do nosso país.