spoiler visualizarSelma 19/03/2022
Magnífica obra representante da 1° fase do modernismo
"Macunaíma" foi escrita por Mário de Andrade em uma semana, quando tirou férias e foi para a chácara do seu tio Pio. Deitado numa rede, ele escreveu toda a história, na típica característica de seu próprio personagem, com muita preguiça.
Publicado em 1928, "Macunaíma" representa, em sua essência, a miscigenação do povo brasileiro, pois ele era um índio da tribo dos tapanhumas, que nasceu preto retinto feito o medo da noite, mas se transformou num branco louro de olhos azuis após atravessar um lago mágico.
Apesar de o autor ter escrito esse livro maravilhoso, que foi sua obra mais consagrada, a personagem Macunaíma não surgiu da sua cabeça não, mas sim foi fruto de suas pesquisas sobre o folclore. Mário o descobriu num livro do alemão Koch-Grünberg pesquisador da cultura indígena e a personagem nos é apresentado como ?o herói sem caráter?, podendo este até ser um subtítulo para o livro, pois ele realmente se apresenta em muitos momentos como maldoso, é uma pessoa preguiçosa, desonesta, capaz de tudo para conseguir o que lhe convém e muito, mais muito malicioso.
Dentro da narrativa, expressões como ?Ai que preguiça!? e ?Vamos brincar.? são usadas incansavelmente por ele para comprovar seu caráter, que aliás, é considerado bem típico do caráter do brasileiro, sendo que tais características que vai aparecer em muitas obras de escritores consagrados da atualidade, como de João Grilo, no ?Auto da Compadecida? e de Joaquim Simão, na ?Farsa da Boa Preguiça?, ambas de Ariano Suassuna. Vemos também na voz de Joaquim Simão, que ?os maiores vícios do homem são versos, preguiça e mulher?. Fica aí mais essas duas ótimas dicas de boa leitura também.
Porém, quando Mário de Andrade se refere à falta de caráter do povo brasileiro, ele vai além do caráter moral, pois para ele somos um povo que se deixa influenciar facilmente pela cultura estrangeira que refletem na nossa língua, nossos costumes, pois, a seu ver, somos um povo que não valoriza a própria história e consciência tradicional, portanto ele nos apresenta essa obra onde reúne as tradições orais e culturais do nosso país. Agora vou apresentar pra vocês um resumo do livro:
Macunaíma nasce numa tribo indígena e cresce menino levado que ao aprontar com seus irmãos, sua mãe o castiga levando ele para o deserto. Lá o Curupira, seu avô, o amaldiçoa fazendo com que ele se torne um adulto, mas com cabeça de criança. Macunaíma retorna para sua aldeia e quando sua mãe morre um dia após seu retorno, ele e seus irmãos: Maanape (que é o chefe espiritual da aldeia) e Jiguê (guerreiro e caçador) saem pela mata afora. Nessas andanças pela floresta Amazônica, Macunaíma conhece Ci (também conhecida como Mãe do mato) que se torna sua companheira, porém ela morre e vira uma estrela e Macunaíma sofre a perda da companheira que lhe deixa um muiraquitã de lembrança, mas ele o perde na praia do rio quando subia no bacupari ao fugir da cabeça da mãe d`água e sai a procura da pedra preciosa. Por chorar tanto, Negrinho do Pastoreio penalizado, pede ao Uirapuru que cante para Macunaíma dizendo o que aconteceu com o muiraquitã e ele descobre que a pedra foi achada por Venceslau Pietro Pietra (gigante Piaimã, o comedor de gente) que enriquece com o achado do Talismã e foi viver em uma fazenda em São Paulo. A partir daí, Macunaíma viaja com seus irmãos pelos quatro cantos do Brasil em busca de encontrar Venceslau Pietro Pietra para recuperar seu talismã, aprontando todas pelo caminho e se aventurando no meio da modernização da cidade grande.
"Macunaíma" nada mais é que uma rapsódia construída a partir do entrelaçamento de muitas lendas e mitos indígenas e considerado pelo próprio autor uma antologia do folclore brasileiro, com citações de provérbios, crendices e superstições, parlendas, cantigas entre outras formas da manifestação oral popular, resultado de muita pesquisa do autor, escrita numa linguagem simples, cômica e bem brasileira.
Confesso que só tive a curiosidade de ler "Macunaíma" após ter lido "O Mário que não era de Andrade: O menino da cidade lambida pelo Igarapé Tietê?, de Luciana Sandroni. E essa é mais uma das minhas indicações literárias, pois Sandroni tem um jeitinho todo especial de apresentar para jovens leitores a biografia de escritores consagrados. Nesse livro em especial, além dela apresentar a biografia de Mário de Andrade, ela também conta sobre o livro Macunaíma de uma forma que desperta o interesse das crianças. E é lógico que adorei e quis ler o original. Quando li, com certeza me apaixonei pelo estilo do autor, com uma escrita moderna, quebrando paradigmas, encantando com sua literatura fantástica e de vanguarda, que melhor sintetiza a proposta do Movimento da Antropofagia, criado por Oswald de Andrade no ano de 1928, com o objetivo de igualar a cultura brasileira às demais. Uma obra cheia de ambiguidades, metáforas e críticas à um sistema burguês, ditador, em que modelos estrangeiros eram imitados e a principal cidade econômica do país: São Paulo, estava passando por um grande período de urbanização e desenvolvimento industrial e comercial.
Algo que me chamou atenção quando li Macunaíma, além do que já citei relacionado ao folclore, foi o uso de muitas enumerações, que, apesar de trazer várias palavras pouco usadas do vocabulário indígena, como nome de aves, danças, árvores, peixes etc., sempre termina com uma definição generalizada sobre o que está sendo enumerado, facilitando assim o entendimento sem precisar sair pesquisando o significado de cada palavra, o que dá ritmo e dinamismo à leitura.
O tempo dentro da narrativa se mostra atemporal, possibilitando que o protagonista se desloque de uma época para outra sem comprometimento dos fatos. Já o espaço é mágico, fazendo com que Macunaíma esteja em diversos lugares em curto espaço de tempo e ele acaba se deslocando por todo o território sul-americano como num passe de mágica, ora atrás, ora fugindo de Venceslau Pietro Pietra. E durante toda essa trajetória, vamos nos deliciando com a flora, fauna, tradições, falares, comidas e hábitos de cada canto em que Macunaíma passa.
Por sua grandiosidade, esta obra está sempre inclusa na lista dos principais vestibulares do nosso país, então recomendo a vocês que não fiquem de fora e leiam também.