Ladyce 28/04/2012
O medo do novo e o conhecimento
O novo, o encontro com o desconhecido, sempre causa ansiedade. O mundo é mais confortável, a vida é mais segura se sabemos o que nos espera, como agir e que reação ter em diferentes circunstâncias. Assim como hoje debatemos o futuro do livro em papel por causa das publicações digitais, no século XIX, com o aparecimento da fotografia, os pintores, antes de descobrirem como essa nova tecnologia iria auxiliá-los, temeram por seu futuro profissional. É nessa virada de tecnologia, quando a fotografia parece interferir com a pintura, que se enraíza o romance O PINTOR DE RETRATOS, de Luiz Antonio de Assis Brasil, [LPM:2001/2005, 5ª edição].
Luiz Antonio de Assis Brasil sempre me cativa com sua linguagem despojada, quase seca, em que consegue em uma frase, não muito longa, passar um mundo de informações e capturar sentimentos. Com excelente domínio da narrativa, com poucos traços e não mais que duas centenas de páginas, ele conta a vida inteira de um homem, um pintor de retratos, italiano, que confrontado com a fotografia, perde a noção que tem de si próprio. Diante da devastadora imagem, cara a cara com aquele retrato de si mesmo, fotografado pelo grande Félix Nadar, nosso herói se desintegra emocionalmente e num momento de desvario, emigra para o Brasil, onde se estabelece na mais meridional das províncias, na terra das revoluções. O Rio Grande de Sul o acolhe desconfiado, mas é lá que finalmente acredita renascer, crescer e finalmente apresentar a imagem exterior que, fotografada, mostraria ao mundo como ele é, ou o que ele pensa de si mesmo. Se consegue ou não, o leitor só descobre no final, mas como toda boa história é o meio, é o processo que fascina.
Arraigado à pintura por tradição familiar, treino e medo da nova tecnologia, Sandro Lanari chega à letárgica Porto Alegre determinado a ganhar a vida como pintor e obcecado pela imagem de Sarah Bernhardt que viu em Paris fotografada por Nadar. Quando consegue fixar sua atenção numa jovem que se parece com a atriz francesa, entreabre-se o caminho do crescimento, mas terá ainda muito chão a percorrer até se conciliar com a vida no Novo Mundo. Só quando aceita trabalhar, vagando de estância em estância, retratando senhores da terra, começa sua verdadeira introdução à vida brasileira, ao novo continente e a si próprio. Mergulha em um mundo tão diferente daquele em que foi criado que acaba por se despir dos conhecimentos profissionais, reconhecendo-os válidos exclusivamente para o solo europeu. Na água do banho vão também seus preconceitos. A caminhada brasileira, por ironia do destino e pela própria sobrevivência, transforma-o em fotógrafo.
E vai ser como fotógrafo que conseguirá a essência do que desejava expressar em seu trabalho. Num campo de batalha gaúcho, fotografando o lado vitorioso, Sandro Lanari vence uma batalha pessoal, consegue a expressão máxima de sua arte, uma obra que o faz, finalmente, poder erguer a cabeça com orgulho: capturou o lampejo de vida nos olhos de quem fotografava. Daí por diante, pazes feitas com a fotografia, tem sucesso garantido. Torna-se um respeitado membro da comunidade, pai de quatro filhas, imigrante abastado. Para ter certeza de seu sucesso, só lhe falta a última e única constatação de sua legítima identidade, uma nova visita a Félix Nadar.
Com um final inesperado, O pintor de retratos nos faz refletir sobre a autoestima, a visão que temos de nós mesmos, contrastada com a imagem que os outros têm de nós; sobre o preconceito e o medo do novo, do desconhecido; sobre a nossa própria aceitação. Tudo isso colorido pela paisagem gaúcha de antanho, pelos costumes peculiares de época, com um sabor histórico na medida certa. Uma leitura que nos enriquece e deleita.