Carla.Parreira 24/10/2024
Madame Bovary (Gustave Flaubert). O livro aborda a obra "Madame Bovary", escrita por Gustave Flaubert, que levou cerca de cinco anos para ser escrita e foi inicialmente publicada em folhetim em 1856, gerando grande polêmica devido ao seu conteúdo considerado imoral. Flaubert e a revista que publicava sua obra enfrentaram processos, mas isso acabou aumentando a curiosidade do público, tornando o livro um sucesso de vendas. A narrativa começa apresentando a história de Emma Bovary, uma jovem sonhadora e leitora de romances que se casa com Charles Bovary, um oficial de saúde, cuja vida medíocre não corresponde às aspirações românticas de Emma. O conto engata na infância de Charles, passando por sua educação e sua família, revelando que ele não possui talentos especiais e acaba se tornando um homem conformado, casando-se com uma viúva antes de conhecer Emma. Após a morte de sua primeira esposa, ele se junta a Emma na esperança de que ela traga felicidade à sua vida monótona. Contudo, Emma logo se decepciona com a realidade do casamento, que não se alinha com as histórias de amor que tanto apreciava. O descontentamento de Emma aumenta com o passar do tempo, especialmente após o nascimento de sua primeira filha, que ela rejeita, sonhando ainda com um filho homem. Essa frustração a leva a se distanciar emocionalmente, buscando refúgio em fantasias e desilusões, enquanto a relação com Charles continua sem vivacidade. Emma se vê presa em uma vida que não desejava, marcando o início de suas ansiedades e anseios por uma vida mais emocionante e cheia de romance, o que a fará tomar decisões que mudarão o rumo de sua história.
Emma, ao longo da narrativa, demonstra um profundo descontentamento com sua vida. Após uma série de desilusões na maternidade e no casamento, ela se envolve com León, um jovem tabelião. Embora seu primeiro encontro seja marcado por uma paixão platônica, Emma logo se vê apaixonada por Rodolfo, um galanteador rico. A relação com Rodolfo se transforma em um caso extraconjugal, enquanto Emma começa a gastar desenfreadamente em presentes para ele, embora ele desdenhe as coisas que ela compra. Quando a fuga planejada com Rodolfo não se concretiza, Emma fica devastada, chegando a cogitar o suicídio. É nesse momento que León retorna à cidade, reacendendo sua esperança e fazendo com que ela inicie um novo affair, que também se transforma em uma rotina enfadonha.
A narrativa destaca como Emma parece buscar constantemente novas emoções, mas cada relacionamento se torna rapidamente monótono, levando-a a um ciclo de insatisfação. Ela é apresentada como alguém que se diverte mais ao idealizar encontros do que ao vivê-los, evidenciando sua luta entre expectativa e realidade. A história revela como as ilusões românticas e uma constante busca por prazer podem resultar em consequências devastadoras, à medida que as dívidas acumuladas vão se tornando uma parte significativa de sua vida infeliz. Conforme a trama avança, percebe-se que a repetição de seus erros a leva a um destino trágico, refletindo os temas do tédio humano e a busca incessante por satisfação, que estão entrelaçados ao longo da obra. A vida de Emma Bovary se desenrola em um contexto histórico que reflete a sociedade da França durante o reinado de Luís Felipe. Essa crítica social é uma das grandes virtudes da obra, evidenciando a monotonia da época e a insatisfação das classes médias. A trama se inicia no inverno de 1827 e se estende até 1856, atravessando a Revolução de Julho e o reinado de Napoleão III.
Emma, em sua busca por emoções semelhantes às que encontra em romances, revela-se uma figura que anseia por algo além da realidade, refletindo uma característica comum a muitos personagens românticos, comparada por alguns críticos a Dom Quixote em sua idealização da vida. Apesar de seus amores, sua busca incansável por um amor verdadeiro e pela intensidade emocional culmina em frustrações.
O crítico Nabokov aponta a identificação excessiva do leitor com personagens fictícios como uma forma de infantilidade, sugerindo que a leitura deve ir além do mero prazer emocional. Na obra, a presença de camadas é simbolizada por diferentes elementos, como o bolo de casamento e o caixão, representando a complexidade das relações humanas e o desenlace inevitável da vida.
Emma é descrita como uma mulher que exerce controle sobre suas decisões, desafiando as normas da época ao tomar ações que vão contra as expectativas sociais. Sua capacidade de decidir sobre a própria vida gera desconforto na sociedade conservadora, especialmente considerando as dívidas acumuladas em nome do marido e suas escapadas românticas. Os encontros com León e Rodolfo demonstram não apenas sua busca por amor, mas também um desejo por autonomia que contesta os papéis tradicionais de gênero.
A recepção crítica de "Madame Bovary" também é discutida, com referências a cartas trocadas entre contemporâneos que expressam opiniões diversas sobre a moralidade da obra. Mário Vargas Llosa, em sua análise, reconhece a importância da narrativa de Flaubert em sua própria formação literária, analisando como a história impactou sua compreensão da literatura. Ao longo de sua interpretação, Vargas Llosa explora a construção da obra, detalhando os métodos de escrita e os valores que permeiam as relações e a busca por significado na vida, refletindo a permanente relevância de Emma Bovary na literatura universal.
Flaubert, em suas cartas, revela o esforço dedicado à escrita de "Madame Bovary", ilustrando sua disciplina e comprometimento com o processo criativo. Ele mesmo confessou que passou meses trabalhando em outra obra, "Às tentações de Santo Antão", antes de ser incentivado a escrever algo mais contemporâneo, o que o levou a desenvolver a história de Emma motivada pela notícia de uma mulher que se suicidou por dívidas relacionadas a romances extraconjugais. Esta abordagem traz à tona a temática da insatisfação e da busca descontrolada por alívio emocional através de bens materiais, evidenciando como Emma tenta preencher seu vazio existencial por meio de compras e novas experiências, o que, paradoxalmente, a empurra para a ruína.
No aprofundamento da análise, o texto discute a inovação narrativa que Flaubert trouxe ao utilizar o discurso indireto livre, que permite mesclar os pensamentos do narrador com as emoções e memórias dos personagens, oferecendo uma nova perspectiva sobre a psicologia dos mesmos. O narrador em questão não se intromete nas ações, mas traz uma voz que pinta nuances e detalhes que enriquecem a narrativa. O uso de itálico para distinguir os pensamentos é uma inovação que visa intensificar a experiência do leitor.
Nos estudos contemporâneos, críticos como a professora Verônica Galíndez exploram a dualidade de "Madame Bovary" entre o romantismo e o realismo, destacando que Flaubert acreditava que sua obra se mantinha no âmbito do romantismo, enquanto outros, posteriormente, a classificaram como um marco do realismo. O trabalho meticuloso e dedicado de Flaubert transformou a escrita em um ofício que requer esforço e tempo, mudando a percepção sobre a origem da literatura, que antes era vista como uma inspiração divina.
O crítico Hélène Cixous também é mencionado, alinhando-se à ideia de que "Madame Bovary" tem uma qualidade universal que ultrapassa o feminino, transformando Emma em uma figura que representa o desejo e a angústia humanas. Cixous sugere que a busca incessante de Emma não é apenas por amor, mas por um sentido que evade sua realidade. A complexidade de Emma Bovary, com suas neuroses e frustrações, reflete um espectro de experiências que permeiam a condição humana, imortalizando a personagem como uma das mais fáceis de se relacionar na literatura, ao mesmo tempo que provoca uma reflexão profunda sobre a sociedade e suas expectativas em relação ao amor e ao papel da mulher.
A narrativa de "Madame Bovary" avança para momentos culminantes da vida de Emma, marcada pelo desespero financeiro e pela angustiante histeria que a consome. O texto destaca que o estresse emocional que a leva ao suicídio é consequência de um ciclo vicioso de dívidas e desilusões amorosas. Ao contrário de outros romances, como "Anna Karenina", onde o suicídio é tratado de maneira abrupta, Flaubert mergulha o leitor em um retrato angustiante das últimas horas de Emma, permitindo que a aflição dela, seus espasmos e os gritos sejam vivenciados de forma intensa. O detalhamento meticuloso do seu sofrimento e a representação da cena final oferecem um alívio ao leitor, porém, ao mesmo tempo, descortinam a tristeza do marido que permanece apaixonado por ela.
A falta de preocupação de Emma com sua filha contrasta fortemente com as motivações de Anna Karênina, que, apesar de seus defeitos, mostra alguma consideração pelos filhos. Emma parece esquecer completamente a filha, refletindo uma crítica severa à sua egoísmo. A escolha dos amantes de Emma, muito diferentes da devoted Anna, contribui para seu destino trágico, apresentando uma sequência de interações insatisfatórias que a conduzem à ruína. O narrador, no entanto, parece entender e até elogiar a complexidade de Emma, revelando um amor pela personagem, ao passo que critica suas ações.
Enquanto o desfecho da vida de Emma se aproxima, o autor se despede lentamente, intensificando a conexão emocional com o leitor. Flaubert proporciona uma experiência que permite um luto compartilhado, simbolizado pelo sepultamento de Emma, descrito com uma riqueza de detalhes que demonstra o desespero e a tragédia que permeiam sua vida. A narrativa traz à tona a beleza de Emma, mesmo em sua decadência, enquanto o impacto de sua morte ressoa no marido, destacando ainda mais a ironia e a tristeza de sua existência marcada pela busca incessante de uma felicidade que parecia sempre fora de alcance.
O marido de Emma toma a decisão de enterrá-la num vestido de noiva, uma escolha carregada de simbolismo que reflete a idealização que ele ainda mantém dela, mesmo após seu descaminho. O momento trágico em que a boca da morta se abre involuntariamente acrescenta um toque surrealista à cena, revelando a fragilidade da vida e a inevitabilidade da morte. A sensação de que Flaubert se demora na despedida de Emma evidencia sua conexão emocional com a personagem, permitindo ao leitor um luto aprofundado diante da perda.
As comparações entre Emma e Anna Karênina se tornam mais claras; ambas enfrentam dilemas existenciais marcados por suas busca de amor e liberdade. Emma, como mãe, nunca teve concorrência, o que a levou a acreditar que estava acima do marido, da filha e das normas sociais. Essa elevação ilusória, no entanto, não a protege dos dramas que enfrenta, revelando a fragilidade de sua posição. A possibilidade de resolver seus problemas práticos parece acessível, mas a manipulação que exerce sobre seu marido acaba sendo insuficiente para salvá-la da tragédia.
O marido, mesmo após descobrir as cartas que Emma guardava de seus amantes, permanece amando-a, ressaltando a complexidade das relações e a resistência dos sentimentos humanos. Esse amor inabalável contrasta fortemente com a desilusão e a busca incessante de Emma por uma felicidade que nunca é alcançada.