spoiler visualizaredusrds 30/07/2024
Divertido, apesar de trágico
Flaubert escreveu um filme, eu sempre tive um pouco de receio com narrativas realistas e nesse livro foi a primeira vez que de fato consegui apreciar esse realismo literário que o Flaubert fundou tão bem. Para mim a leitura foi bem cinematográfica, me fez rir em alguns momentos como na cena da catedral seguida da carruagem, me fez sentir desprezo e também aflição. O fim de Emma é trágico, mas eu fico feliz que a morte dela tenha sido uma "escolha", induzida, mas escolha. Se ela fosse morta por algum poder superior me decepcionaria bastante, soaria como um castigo e acho que essa não era a intenção de autor. No geral, o livro tem passagens descritivas e analogias sentimentais belíssimas, e boa parte das minhas marcações se deu por esses trechos.
Vejo muito o foco das pessoas em julgar se Emma era boa ou má, acho esse julgamento meio irrelevante. Emma era humana, teve sonhos, ambições e paixões e não conseguiu aceitar a realidade a qual foi submetida, isso ocorre muitas vezes com muitos de nós, a diferença é se nos resignamos ou não. Hoje o adultério é mais "normalizado" que antes, pessoas traem e se separam e vida que segue, para Emma, o casamento com Charles foi uma sentença e essa sentença representava a morte de todos os seus sonhos, por isso vejo ela como uma mulher a frente de seu tempo. Talvez se não fosse obrigada a se submeter ao papel de esposa e mãe ela não tivesse feito tanto estrago na vida de tantas pessoas, e as reflexões dela sobre as limitações da mulher naquela sociedade denotam bem esse meu pensamento. A infelicidade conjugal, obviamente, não justifica a conduta que ela escolheu ter como as traições, os gastos exorbitantes e a aversão à própria filha, mas deveríamos ter em mente que Emma estava emocionalmente perdida, e todo mundo está passível de se perder em algum momento. Duas palavras poderiam definir o comportamento de Emma: luxúria e ingenuidade. Porém, em muitos momentos do livro me perguntei se Emma era de fato ingênua, deslumbrada sim, com certeza, mas ingênua? Ela sabia de sua beleza, de seus encantos, de seu poder de persuasão, se ela usou esses atributos sempre ao seu favor de modo intencional é o que eu não sei definir. Não consigo julga-la somente como uma mulher vil, ela é mais complexa do que isso, e também não consigo defenda-la como esposa e mãe, mas ainda assim não a vejo como um monstro. Charles, por exemplo, extremamente medíocre enquanto indivíduo, poderia nos gerar alguma espécie de desprezo mesmo sem ele ter feito nada de mal, pelo contrário, fez tudo o que pôde e não pôde pela esposa. Ele mereceu ser traído pela mulher que amava apesar de ser tão ordinário? Acredito que não. Mas Emma merecia a infelicidade da companhia de Charles? Também acredito que não.
Bom, são muitas questões na minha cabeça, não acho que todas devem ser respondidas. O livro cumpriu com seu papel em mim e só posso dizer que recomendo muitíssimo a leitura. Outros pontos interessantes do livro são representados pelas críticas do Monsieur Homais à Igreja, o que ao meu ver trazem uma visão do próprio autor a esses quesitos e ilustram bem os pensamentos e dogmas da época. Todos os personagens são interessantes e bem situados, e a narrativa alternar o foco entre os principais personagens acaba deixando muita coisa a ser subentendida, mas não vejo isso como algo negativo, achei interessante. É uma leitura divertida apesar de seu final trágico, o que pra mim é um ponto positivo para o Flaubert.
A quem ler esse livro, espero que goste tanto quanto eu.