Jaguatirica 21/03/2024
Divertido
O Skoob gosta de me fazer escrever resenhas, coisa que nem sempre curto, mas vamos lá. Quero ao menos comentar alguns pontos que não posso deixar batido:
Primeira coisa, Viramundo é um personagem arquétipo de Dom Quixote e com um misto de Agostinho Carrara. É um cara profundamente histriônico e passa longe de ser um herói ou um exemplo moral. Viramundo afasta-se da família ainda na juventude após ser motivo de um incidente fatal que ocorreu em seu bairro. Um incidente que o transformou para sempre.
Viramundo se torna um lobo solitário mas por onde chega chama a atenção, motiva ódio em algumas pessoas e devoção e respeito em outras. É exagerado, fala com os animais, estraga festas, ri da cara do perigo, idealiza donzelas, fala francês, gosta de poesia, se mete em briga e apanha vezes sem conta. Percorrer suas andanças é também percorrer por Minas Gerais e as cidades em que ele se meteu em encrenca.
Ri muito na primeira metade do livro. Na segunda, as encrencas de Viramundo ficaram mais sérias e foi crescendo em mim a sensação que nutria desde a fatalidade do início da história: a sensação de que esse personagem não acabaria bem, tamanha sua capacidade de se meter no que não deve. Um dia a sorte acabaria.
No final veremos que de fato acaba mas não revelarei como. Só digo que foi triste e me deixou de queixo caído de forma que precisei reler e revisar coisas dos primeiros capítulos, visto que o final se conecta ao passado de Viramundo. Estamos agora entre os Inconfidentes.
E é isso.
Nota importante: o racismo dos personagens fica evidente o livro inteiro. Perdi a conta de quantas vezes negros são retratados de forma animalesca e desumanizada. Eles sequer têm nome. A maioria só é retratado como "o negro", "aquele preto que fez isso ou aquilo", enquanto outros personagens figurantes são nomeados. Isso me incomodou mas ao mesmo tempo pensei na Minas Gerais da época, profundamente racista sim, e com um sistema claro de quem tinha valor naquela sociedade.
Assim, Viramundo representa todos os desajustados nesse sistema. Emociona pensar que ele passou por muitas cidades mas nunca sentiu-se parte de nada. Era um eremita, afinal. Porém houveram dois lugares em que se sentiu em casa: nas vezes em que foi parar no hospício e quando acabou indo viver na rua, na mendicância, e fez amigos das diversas classes subalternas de MG. E a forma como morreu também foi pensando em proteger esses amigos, finalmente irmãos.