alineaimee 31/07/2013O livro, que eleva os recursos de Bestiário à enésima potência, abandona o mistério para adentrar o nonsense. Dividido em quatro partes – “Manual de instrucciones”, “Ocupaciones raras”, “Material plástico” e “Historia de cronopios e de famas” é um convite à renovação do olhar sobre as coisas cotidianas. O “Manual de instruções” quer na verdade que desaprendamos a ver de forma viciada e alheia, instando-nos a nos ater cuidadosamente sobre as pequenezas do mundo, como se o olhar detido e muito aproximado destituísse os objetos e fatos de sua familiaridade, assumindo um caráter novo e, por vezes, bizarro.
O exercício criativo é novamente posto em evidência através da narrativa lúdica, claro exercício de criatividade. Aqui, a referencialidade é posta em xeque, sob nova perspectiva, como os hábitos inusitados e esdrúxulos das famílias e personagens de “Ocupaciones raras”. A descrição das personagens insere-se, por vezes, na tradição do realismo maravilhoso, que se utiliza de alegorias para fazer menção ao real. É o caso das criaturas imaginárias da última divisão: os cronópios, as famas e as esperanças têm seus correspondentes no mundo real, servindo como divertidas caricaturas dos tipos humanos, como metáforas lúdicas. Buenos Aires e seus moradores aparecem nesse livro, e um pouco nos outros dois, sob uma abordagem estetizada que se apropria das diferentes peculiaridades no que elas têm de mais original. Cortázar busca manejá-lo de modo a elevar o particular da realidade urbana portenha a um caráter mais universal. E o faz com humor.
É sintomático que seja este o livro que antecede o celebrado O jogo da amarelinha, romance cujos capítulos podem ser lidos em diferentes ordens. Há quem questione a qualidade das obras do escritor, considerando-as leituras adolescentes. Esse tipo de julgamento é comum com autores cujos textos conseguem promover uma identificação mais imediata pelo leitor (Salinger?). E é claramente o caso História de cronópios de famas, que é a um tempo tesouro e brincadeira. Uma homenagem, uma louvação à literatura e à imaginação e um convite ao rechaço da vida como alienação e rotina embotada. Um refresh do olhar que permite que reavaliemos também a nós mesmos.
É desses livros que se ama ou odeia, que se adota para a vida ou se abandona antes do fim por excesso de presepada.
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http://www.little-doll-house.com/2013/06/encontros-e-desencontros-com-cortazar.html