Jasmine 18/01/2022
Sobre O spleen de Paris
Uma leitura que avivou minhas sensibilidades e pôs uma lupa em tudo aquilo que mais atrai o meu olhar e, igualmente, não se furtou a execrar o que eu desejaria não ter a capacidade de ver. É confortável ler algo que abraça quem nós somos (ou quem poderíamos ser), mesmo quando escrito no século XIX e retratando de algum modo, nas possibilidades da ficção, uma sociedade (ou melhor, um segmento desta, uma classe) com as mesmas presunção, ganância e maldade as quais estamos acostumados dois séculos depois, no Brasil, na Europa ou em qualquer parte do mundo onde o poder e a dominação fazem morada. ?Quanta bizarria não se encontra numa cidade grande, quando se sabe passear e olhar! A vida formiga de monstros inocentes??; é disto que ele fala e é esse olhar sensível em palavras o que se apresenta.
A não adequação e o mal estar inerente à existência onde o silêncio é a melhor opção, mesmo diante das pessoas com quem se convive mais e a quem dedicamos amor e afeto, pela distância abissal daquilo que compõe o conjunto de coisas que mais nos enternecem e comovem, aparecem em vários dos ?poemas em prosa? de O spleen de Paris. Baudelaire não viu a publicação do livro, mas deixou uma carta especificando em quantidade e sequência os textos que compunham a obra, e, em outra circunstância, também mencionou-a com este mesmo título. Não é meu foco entrar nesses pormenores, muito embora tenha ficado com curiosidade e desejo de ler outras de suas obras, em especial As flores do mal.
O tédio, o amor, o erotismo, o paraíso, a solidão e o silêncio são temas recorrentes nesta obra. Contudo, nada parece ocupar mais sua atenção e sensibilidade do que os olhares dos ?estropiados da vida?. O excerto que mais me marcou de todo o livro foi este: ?(?) Pois se há um lugar que desdenham (o poeta e o filósofo) visitar, como eu insinuava há pouco, esse lugar é a felicidade dos ricos. Esse redemoinho no vazio não tem nada que os atraia. Ao contrário, sentem-se irresistivelmente arrastados rumo a tudo que é fraco, roto, triste, órfão.?
Todos aqueles que são aguçados pela necessidade, ?essa mãe tão bondosa, essa verdadeira padroeira das inteligências?, aqueles que a república não tem tempo de cuidar, merecem ser cantados? é o que ele nos ensina. Muito me comoveu o texto ofertado ao pintor Édouard Manet, que nos revela uma triste história sobre o sofrimento mudo; também um outro dedicado ao pianista virtuoso Franz Liszt e ?Os dons das fadas?, que concede aos filhos dos pobres o dom de agradar. Um livro para pensar, mas sobretudo para sentir, é sempre uma ótima companhia.