Alanna Komessu 09/11/2024
Atemporal
Jane é órfã. Após a crise de varíola que devastou a Inglaterra no século XVIII, a jovem passa a viver de favor na casa de sua tia, ao lado de seus três primos, tornando-se alvo de escárnio e servindo como um instrumento de escape para os membros da residência.
Em determinado momento, é despachada para um convento, onde, apesar das dificuldades enfrentadas, encontra uma oportunidade para desenvolver suas aptidões e talentos.
O contato com as diversas facetas do cristianismo franciscano, tanto positivas quanto negativas, aliado a uma tendência natural de ser uma pessoa íntegra, transformam Jane em uma mulher ímpar: um tanto descrente de si mesma, pessimista, humilde de coração e, acima de tudo, genuinamente boa.
Mesmo antes da contribuição Freudiana na psicanálise, a forma como Brontë descreve as experiências de solidão na primeira infância ? nossas primeiras vivências do sentimento de rejeição e as consequências desse processo na formação do "senso de si", além da sensação magnífica de superar os primeiros desafios ? é de uma profundidade crua, sagaz e sensível.
Ao formar-se como educadora e continuar a lecionar no convento onde foi criada, Jane decide ousar e almejar algo maior: entra em contato com uma família que busca contratar uma governanta particular para suas filhas, oferecendo-lhe um salário modesto e uma moradia em uma área mais inserida na elite do interior galês.
Despida de quaisquer pretensões, é contratada e, em poucos meses, muda-se para o novo lar.
Ao integrar-se à vida dessa nova criança, ela tem, pela primeira vez, um contato, ainda que distante, com a figura masculina.
O tutor da menina passa a ser o objeto de sua atenção. E, contrariando minhas expectativas, isso não ocorre devido a uma atração natural ou a uma simpatia imediata: Jane é tímida, teme incomodar e perder o emprego, é desprovida de uma beleza chamativa, e sobretudo, carece da habilidade social necessária para se mostrar carismática ou enganosa. Rochester, por sua vez, é irônico, dúbio, está perdido nessa fase da vida e não sabe como lidar com a delicadeza dos sentimentos de uma mulher tão jovem e pura de alma. A construção do vínculo entre os dois se dá de maneira sutil, gradual. O desenvolvimento dessa relação é tocante e genuinamente sincero.
O mais interessante é que Jane foge dos clichês da protagonista passiva e submissa. Ela não é inconsequente quando se trata da sua integridade; jamais se deixa manipular ou submeter, mesmo nas circunstâncias mais adversas. Ao sentir que precisa recomeçar do zero, ela reúne a coragem necessária para retomar as rédeas de seu próprio destino.
Os passos que a narrativa segue para que a conexão entre os dois se estabeleça são sutis, elegantes e, acima de tudo, profundamente bem desenhados.