ana :) 12/03/2023
Qual a quantidade de figos cristalizados, lata de goiabada e tijolo de pessegada recebidos?
Com o livro, acompanhamos longos e duros anos da família Lemos, Dona Lola nos guia na vida de uma família brasileira durante as décadas de 20 e 30.
"Já não mais havia movimento; tudo quieto e calmo. As vozes alegres de outrora não repercutiam mais entre aquelas paredes; o vaivém, o bater das portas, o barulho da água correndo no lavatório da copa quando lavavam as mãos, os "até logo, mamãe?, os sinais de vida enfim de todos aqueles anos, haviam morrido. Parece que a morte rondava; só a morte é assim silenciosa, só ela traz essa quietude longa e profunda." (P. 261)
É uma história realista com personagens humanamente insuportáveis. Júlio, o marido e pai, preso a mentalidade de homem provedor do lar, sem a plena dedicação a criação dos filhos, posto que já trabalhava para sustentá-los. Carlos, o primogênito, acredito que o filho mais ajuizado, presente na vida da mãe de maneira zelosa, sua partida deixou um grande espinho no coração de sua mãe.
"A palavra saudade está riscada do meu vocabulário há muito tempo, é uma palavra imprópria para esta geração, imprópria para os homens fortes e eu sou um homem forte, mamãe. Sou homem do mar." (p. 269)
Alfredo, avoado quando criança e irresponsável quando adulto, apesar de tentarem justificar suas incoerências com o típico "é só um garoto", viveu à risca; queria ter entendido melhor seu envolvimento com o movimento socialista, mas tudo o que ele dava entender era que não era de fato comprometido com a causa, apenas com a experiência. Julinho, acho que é o filho "nem cheira nem fede", foi cedo para o RJ e ali fez sua vida, fiquei triste pela mãe não poder assistir seu casamento, mas confesso que no final fiquei de cara com sua capacidade de pedir a mãe para que vendesse sua casa. Isabel, menina sonsa e mimada, não enxergou o sacrifício da família para criá-la e dar o que queria, acabou se casando a contragosto da mãe e não a procurou mais...
Dona Lola, a grande mentora dessa jornada, dividindo-se entre criar os filhos, cuidar da casa, tricotar para a venda e fazer os doces de encomenda, essa mulher manteu sua família durante todos os penosos anos. Contudo, sempre desvalorizada pelos filhos e marido, os primeiros que sempre pediam sem oferecer ajuda, quantas vezes não tirou de suas economias para suprir pedidos deles? E o marido que era detestável, ficando bêbado e descontando nos filhos e nela...
Com tudo, é uma história emocionante, a narração é íntima, aos poucos vamos conhecendo melhor a casa e a vizinhança. Senti aquela familiaridade com Dona Lola: a mãe boa aos filhos, a esposa compassiva ao marido, a irmã e a filha triste com a distância que a vida a levou do seu primeiro núcleo, e a amiga pronta para dar uma força.
E finalmente, preciso dizer que o final me quebrou. Solidão. Quão triste não é acabar solitária após anos e anos de dedicação e sacrifício? Mães criam filhos para voarem, mas não é triste como são deixadas no ninho vazio?
"Alguém disse que a ausência mata o amor, qualquer espécie de amor; só a convivência aquece e faz viver tanto o amor como a amizade. A separação esfria. Perderei o filho. Mas afinal, pensando bem, qual a mãe que cria o filho para si? As mães criam os filhos para o mundo e os filhos só são delas enquanto pequenos." (p. 167)