gabriel 29/08/2022
Uma das filosofias mais interessantes (e que você nunca vai ler)
Acredito que o título acima pode definir bem este trabalho de Merleau-Ponty, basilar para a filosofia do século XX, porém bastante inacessível aos reles mortais. Complicado, erudito (porém com uma boa dose de fascínio), Ponty faz uma filosofia "sem sujeito", ou melhor, para sujeitos em simultaneidade com os seus objetos, em que o mundo ganha destaque e um novo brilho filosófico em relação a eles.
O gosto que fica para mim é de uma filosofia de "palco", em que este fica acima dos atores, em destaque. Como se, ao assistirmos a uma peça, o cenário fosse o verdadeiro protagonista, com os personagens meio de lado, ou apenas secundários. O que é, na verdade, revigorante, pois quem aguenta uma filosofia "de sujeito" em pleno século 21? Merleau-Ponty antecipa em apenas algumas décadas este evidente cansaço.
Coloca-se aqui em xeque a batidíssima frase "penso, logo existo" (o famoso "Cogito", como os filósofos gostam de dizer pedantemente), que junto com a caverna do Platão e outras platitudes do tipo "o inferno são os outros" (frase muito incompreendida de um Sartre, contemporâneo de Ponty), formam uma espécie de imaginário popular filosófico, uma espécie de terreno seguro "pop" para se discutir filosofia. Neste sentido, trata-se de uma leitura muito bem-vinda.
Para Ponty, a existência começa não com o sujeito, mas com o mundo. Nascemos sempre em situação, em perspectiva, e há muitas comparações com a pintura e com as lesões cerebrais (e por mais que uma coisa não tenha a ver com a outra, durante a leitura ela faz sentido).
Só achei que a caracterização destes distúrbios poderia ser mais precisa, e a mistura entre filosofia e ciência acaba sendo confusa por este motivo. Merleau-Ponty filosofa enquanto fala de ciência e fala de ciência enquanto filosofa. Tal "tostines filosófico", por assim dizer, não acaba dando muito certo, ao menos para o leitor, já sufocado por uma filosofia complicada.
É, no entanto, um autor privilegiado, por ser um dos poucos dentro da tradição filosófica a falar propriamente de ciência enquanto faz filosofia, tornando sua leitura muito atraente e pertinente.
Indico sua leitura rodeada de cuidados, está longe de ser uma leitura leve, o texto pesa a mão e trata-se de uma elaboração filosófica complicada. Porém suas inovações, problematizando questões de "sujeito-objeto" (sendo, portanto, uma filosofia antidicotômica), e alguns trechos belos, fazem dela uma indicação certeira.
Lamenta-se, apenas, certo hermetismo, que soa completamente desnecessário em alguns momentos (ainda que isto guarde, é claro, um charme todo especial, presente na maioria das filosofias).