Isabel 01/12/2012Creio que ainda mais importante do que conhecer bem as coisas que você gosta ou com as quais você concorda é conhecer o que você critica. Sem isso, a crítica perde completamente a propriedade e a autoridade, se tornando algo pouco pior do que uma fofoca.
É por isso que leio a revista Veja.
Em geral, espero abobrinhas e absurdos (e raramente me frustro nessa minha expectativa), mas algumas se superam - como esta matéria, na qual a pesquisadora inglesa Catherine Hakim desfila suas teses excêntricas (estou sendo gentil). Uma delas, por exemplo, é que a utopia feminina moderna é ser uma dona de casa ociosa.
Como se isso não fosse estapafúrdio o suficiente, outra coisa me chamou ainda mais atenção: para Hakim, pessoas bonitas devem ser valorizadas tanto quanto (ou até mesmo mais que) pessoas inteligentes e esforçadas. Os feios, portanto, devem ser excluídos dos cargos de chefia, por mais competentes que sejam - uma pequena sanção por deixar o mundo mais visualmente desagradável.
Não vou entrar nessa questão: a subjetividade da beleza é algo óbvio e tenho quase certeza que você ergueu suas sobrancelhas em uma expressão confusa no paragrafo anterior. Contudo, se substituímos ser bonito por atender determinados padrões o sonho de Catherine Hakim é a mais pura realidade inclusive na vida do protagonista do livro Bel Ami (recentemente adaptado para o cinema, filme do qual falarei em breve), Georges Duroy.
Depois de servir algum tempo no exército Francês, o filho de camponeses Georges Duroy de Cantaleu se muda para a cidade, esperando lá conseguir fama e fortuna. Não estamos falando de qualquer cidade, e sim da Paris de 1885, que acaba se revelando ao nosso personagem muito mais cruel do que o esperado: graças ao seu espírito pouco frugal (e portanto incompatível com sua condição de empregado de escritório) Duroy sobrevive à duras penas.
Mas eis que acontece com Georges um estranho encontro que acaba mudando seu destino de forma irreversível: em um bar ele se encontra com Forrestier, um antigo colega de regimento (agora jornalista, bem de vida e casado com uma mulher de nome Madeleine) que depois de alguns drinques, o convida para jantar em sua casa.
Duroy se assusta: afinal, ele não tem roupas para tal ocasião, muito menos sabe como se portar nela. A insistência de seu ex-colega vence e no jantar ele conhece Madeleine Forrestier, uma mulher extremamente inteligente e astuta que não se deixa limitar ao papel social da mulher na época, guiando o destino e a vontade de seu marido (portanto o seu próprio) inclusive o convencendo a arrumar um emprego para o belo Duroy.
Mesmo não tendo sequer concluído o ensino médio (curso que seus pais lutaram por pagar, mas que não foi concluído por indisciplina do filho) Georges vira então jornalista. No início lento e desajeitado, o rapaz acaba percebendo do que era capaz e consegue, através da sedução, dinheiro e cargos melhores, desvendando fofocas e segredos de estado, se tornando então o maior alpinista social que Paris já viu.
Fantástico, fantástico e fantástico. Não há um tema central em Bel Ami, apenas Duroy e sua caçada por mais e mais e mais dinheiro, status e fama. Apesar de ser o que poderíamos considerar um clássico, a linguagem não é complicada (embora seja rica) e as situações são tão presentes no cotidiano que é difícil não entender, ou até mesmo se identificar. Para aqueles que torcem o nariz para livros do gênero (mas sabem que não deviam) é uma ótima pedida.
Uma das coisas que mais gosto no Realismo é que esse movimento literário não separa as pessoas entre vilões e mocinhos; bonzinhos e monstros. Embora Duroy tenda na maior parte do tempo para a maldade e a ganância, nada que ele faz é calculadamente cruel - .Não há nada tão libertador quanto pensar que não há mal ou bem absoluto, do que ver a vida em tons de cinza e não em preto e branco. É calmante, sim, pensar que a boca do mesmo personagem (que poderia ser uma pessoa, e com certeza é representativo de várias delas) cospe e beija. Talvez tenhamos a necessidade da figura do herói, mas renunciar dela é tão real e às vezes, extremamente necessário.
Publicada originalmente em http://distopicamente.blogspot.com.br/