ReiFi 08/04/2014
A Peste - o homem é bom é preciso acreditar nisso (?)
Por José Reinaldo do Nascimento Filho
Não demorou muito, Artur. Eu disse que iria ler após o término de Crime e Castigo, de Dostoievski, mas como você parecia estar esperando e querendo que mais alguém conhecido lesse, adiantei a leitura e terminei-o neste domingo. Era você num retiro para jovens católicos e eu no meu quarto lendo A Peste, de Albert Camus. E Posso dizer que minha experiência, assim como a sua, na medida do possível – e da comparação, claro – fez-me uma pessoa melhor (pelo menos por enquanto).
A história do livro é simples: uma “cidade vulgar”, Orão, é atacada por ratos agonizantes e em seguida pela Peste. Um número gigantesco de ratos morre todos os dias. Pessoas começam a adoecer. A Peste toma proporções incomensuráveis. Seria esse o fim? Pois bem, vejamos algumas coisinhas:
O primeiro ponto a salientar, e a enaltecer, foi a escolha brilhante do autor em contar a sua historieta através de um narrador, alguém que se diz à parte de tudo e que procurou simplesmente colher informações, documentos e testemunhos de quem experienciou aqueles dias de tormento, ele mesmo um sobrevivente; dessa forma, tudo pareceu muito real, verossímil, tangível. Em suma, poucas vezes estive diante de uma escrita tão honesta, sensata. Ah, outro detalhe. Nunca lera nada de Camus e, por algum motivo que não sei dizer, pensei que a escrita dele fosse rebuscada, difícil, amarrada, enfim. Mas não foi nada disso. A leitura flui maravilhosamente bem. Não parece um romance, com toda a estrutura que conhecemos, mas uma deliciosa crônica. Mas claro, há muitos belos momentos. Cito um em especial:
“Ele sabia o que a mãe pensava e que nesse momento ela o amava. Mas sabia também que não é grande coisa amar um ser, ou que, pelo menos, um amor nunca é bastante forte para encontrar a sua própria expressão. Assim, sua mãe e ele se amariam sempre em silêncio. E ela morreria por sua vez – ou ele – sem que, durante toda a vida, tivessem conseguido ir mais longe na confissão de sua ternura”. (Caramba, pensei na hora: UMA CRIATURA DÓCIL!!!*)
E o livro foi ganhando peso. A trama foi se desenrolando. E mais do que um romance, uma crônica, podemos aqui chamá-lo de estudo, ensaio, como o também mundialmente conhecido, Ensaio sobre a Cegueira, do Saramago. Uma situação extrema em que vemos humanos sendo enclausurados (há aquele momento de A Peste em que é preciso fechar a cidade: ninguém sai, ninguém entra: engulam-se) e nessa clausura eles terão de aprender a conviver. Daí as personagens vão ganhando forma e peso. Daí cada um deles vai apresentando as suas características e peculiaridades. Daí é que percebemos o quão complexo é o ser humano (algo muito óbvio, claro). Não quero aqui apontar as personagens, falar sobre elas, mas nelas você encontrará de tudo: desde aquele que desacredita em tudo àquele que mantém a sua fé inabalável; desde os aproveitadores aos mais humanos; desde o sempre trabalhador, perseverante…
A minha nota foi 4 de 5 estrelas, e me aproveito desse ponto para explicar o motivo disso: eu não me surpreendi em nenhum momento com a história. Explico. Vejamos, o livro é sobre pessoas, sobre comportamento, vivência, fé, caos, medo, angustias. O livro pega uma situação extrema e trabalha justamente esses pontos e, não sei se vou conseguir ser claro, apresenta aquilo que eu já tinha visto noutras leituras. Leitor, para exemplificar: você já leu ou assistiu Ensaio sobre a Cegueria, já viu Lost, e a série House? Para uma pessoa um pouco mais ligada, percebe, obviamente, que o foco dali não é a doença que deixou todos cegos, os mistérios da Ilha, ou mesmo os casos de doenças raras, mas as atitudes que o ser humano toma (ou a que se entrega) a depender das situações da vida. Enfim, parece meio estranho dizer isso mas o homem se repete. Se eu não tivesse lido ou visto nada parecido com isso, teria dado nota 5 para A Peste. Parece ser bem, bem injusto. Isso não é motivo, você leitor poderia dizer. Mas, novamente, mesmo que o livro seja espetacular, ele continua sendo um livro, e uma das coisas que espero sentir ao término ou no decorrer de uma leitura é aquele “nó na garganta”, ou mesmo aquela coisa que nos deixa “irrequietos”, “coçando por dentro”, “supresos”…
Enfim. Espero que vocês me entendam. Ótimo livro. Leiam e gostem :D porque mais do que um relato, para mim, foi meio que um tapa na cara (apesar de eu ainda não acreditar e não ter sido forte o suficiente), ao afirmar que “há nos homens mais coisas a admirar que coisas a desprezar”.
* “Sou mestre na arte de falar em silêncio, passei minha vida toda conversando em silêncio e em silêncio acabei vivendo tragédias inteiras comigo mesmo.” Dostoievski.