letAcia1172 02/11/2023
Traiu ou não traiu?
Machado, sem sombra de dúvidas, é um dos, se não o maior escritor da Literatura Brasileira. Em Dom Casmurro, nós estamos diante de um narrador autodiegético, toda a ação narrativa gira em torno de Bento, e este, detém todo o controle da matéria do enredo. Machado se distancia dos personagens enquanto autor para por em perspectiva a pessoa moral de Bento. Tudo é narrado pela ótica dele, cada mínimo detalhe expressa as escolhas intencionais do narrador, como o próprio desequilíbrio estrutural do romance (2/3 da obra foram destinados às memórias de infância e apenas 1/3 à fase adulta). Além disso, a estruturação dos fatos e a construção dos personagens também é muito sugestiva se pararmos para pensar. Bento constrói uma imagem de si como um menino bom, tranquilo e passivo. Já, Capitu, aos olhos dele, é pérfida, dissimulada e escorregadia. Na primeira parte do livro ele tenta construir a própria inocência, apontar acontecimentos que no futuro lhe serão úteis, como o capítulo intitulado "o penteado" em que ele mostra que Capitu, diferente dele, consegue mentir, consegue atuar. Já no restante, ele traz acontecimentos da fase adulta que são justificados pelos da infância. Isso tudo para mostrar que Capitu sempre fora a mulher dissimulada que supostamente o traiu. Ele conduz o leitor a acreditar no que ele diz, ao passo que vacila nessa tentativa. Tais "vacilos" são como que indícios do próprio autor para nos mostrar que algo está errado ali. Como o fato de Bento ser uma pessoa imaginativa e ruim da memória. Isso sem mencionar a profissão de Bentinho (advogado) e o arcabouço que carrega enquanto ex-seminarista: ele sabe como persuadir e é isso o que faz no decorrer de toda a narrativa. Livro incrível!