rafinhage 05/03/2024
?E aí, traiu ou não traiu?? Acho que depende de quem!
Esse livro, de fato, me deixou encantada, mas vamos por etapas?
Da parte dos leitores, o foco na traição de Capitu é tão grande, que acaba sendo esquecido o fato de que os próprios possam estar sendo enganados, visto que, até mesmo Dom Casmurro estaria tentando se convencer de algo.
Abrindo melhor essa ideia, o livro, ao meu ver, nada mais é do que um refúgio para o próprio fidalgo se consolar - sabendo do afastamento de todos e carregando isso como culpa, retraçar seus passos faz com que ele tente encontrar uma justificativa plausível sobre a forma com que lidou com as situações que lhe apareceram durante a vida - daí trago de volta o primeiro ponto em forma de questionamento, se até mesmo ele precisava se convencer dos fatos, por que o leitor tomaria o ponto de vista abordado como verdade absoluta?
Dando continuidade, posso dizer, sem dúvidas, que foi uma experiência totalmente intrigante acompanhar a personalidade de Dom Casmurro se desenvolver ao longo do livro. Bentinho, mesmo com julgo fraco e extremamente dependente da opinião da família e de Capitu, me ganhou de uma forma? A intensidade dos sentimentos na juventude, o ar apaixonado presente tão intensamente nas declarações de amor, o fervor infantil no momento de lidar com as frustrações? Toda essa narrativa de um jovem sonhador que eu, particularmente, acho uma delícia de ler, serviu para aumentar ainda mais o desconforto de acompanhar o mesmo se tornar gradativamente o tão emburrado Dom Casmurro.
Não se diferenciando muito de Bentinho, Bento Santiago também acaba achando um lugar à sombra de alguém. Agora não mais da família ou Capitu, mas de seu melhor amigo, Escobar. A partir disso, Bento acaba desenvolvendo admiração tamanha pelo mesmo - a mesma de quando mais jovem por Capitu que, por coincidência, era de fato muito parecida com Escobar. Tendo isso em vista e encontrando-se desamparado com a morte que veio a surgir do amigo, começa a ver a presença do mesmo no filho - quase como uma assombração, da forma descrita no livro. Na minha opinião, por mera casualidade? Mas para Bento Santiago e seus traços de ciúmes - gerados por uma insegurança tamanha - lidar com o luto vendo o reflexo de tudo que admirava tanto em sua mulher, quanto em seu melhor amigo em Ezequiel, trouxe a ideia de que uma traição pudesse ter acontecido.
A partir daí a personalidade de Dom Casmurro vai se desenvolvendo ao leitor de uma forma única, efeito que só a escrita minuciosa de Machado de Assis conseguiria produzir.
Mesmo tornando-se um indivíduo extremamente ensimesmado, me ganha a forma como aí, e só aí, Dom Casmurro finalmente se desprende à sombra do outro e cria, por si só, sua própria presença - infelizmente como o ser melancólico descrito?
Eu não poderia deixar de citar também brevemente e individualmente Capitu - e digo brevemente porque entendo que o foco do livro não necessariamente é esse, mas por mim, escreveria uma resenha apenas sobre a admirabilidade da personagem construída. Meu deus, que personagem cativante em todos os aspectos! O autor da obra desenvolveu-a tão majestosamente a ponto dos leitores conseguirem sentir, apenas lendo, a presença dos seus olhos de ressacas e serem engolidos por eles também. Uma personalidade forte e necessária! Apenas reforçando a pequenez de Dom Casmurro - coisa que, sem dúvida alguma, Machado de Assis não fez por acidente.
Volte e meia, durante a leitura, eu me pegava impressionada com a escrita do mesmo, o cara é brilhante! Mesmo sabendo que não, o tempo inteiro me perguntava se a história não era real - o detalhamento dos acontecimentos, dos personagens e suas respectivas personalidades, o desenrolar tão natural da história? Não hesitaria em acreditar se me falassem que a narrativa de fato aconteceu. Demoraria a encontrar mais palavras - e palavras suficientes - para expressar o que é ler esse clássico do realismo brasileiro.
Particularmente falando, a questão da traição ser uma incerteza foi um baita capricho da parte de Machado de Assis. Depois de escrever uma narrativa extremamente marcante e estimulante, o mesmo ainda joga essa dúvida no colo do leitor, deixando o caso aberto para as mais diversas interpretações - oque na minha visão, tornou a história ainda mais intrigante. De fato, um gênio!
Termino agora, então, minha primeira leitura de Dom Casmurro - ainda como jovem - e espero poder ler mais vezes com outros olhos, me transformando, assim como o próprio protagonista fez, ao longo do tempo e das vivências.