Leonardo.Borges 17/11/2024
Melhor autor realista?
Que leitura espetacular. O jeito como o Bentinho narra seu próprio ponto de vista, limitado ao qu lembra, e da perspectiva dele, torna a narrativa tão interessante. O próprio narrador admite em vários pontos do texto que está limitado ao que lembra, e parece fazer isso na mais boa-fé. E em vários momentos do livro ele se perde em sua próprias lembranças e prosas, e torna o texto entrucado e pouco fluído, mas muito natural. Sobre a história, é compreensível entender Capitu, que foi preterida pela mãe de Bentinho e vontades próprias de Bentinho, e, se utilizando de sua personalidade por natureza dissimulada (ou pelo menos é o q o texto leva a crer, baseado no relato do narrador), manipula Bentinho a lhe jurar nunca mais sentir ciúmes, o que é difícil dada a jovialidade de ambos e a distância. Acredito de fato que ela o ama-se, mas que o amor foi morrendo com o tempo dado as circunstâncias da vida. O jeito que ela conquista a atenção da solitária Dona Glória, como se tudo fosse premeditado para seu fim de ficar com Bentinho, inclusive a convencendo de abandonar a promessa feita a deus. Difícil entender se ela realmente faz tudo isso por amor, ou por ego/sadismo, ou uma mistura de tudo isso, afinal, ela o afasta diversas vezes quando Bentinho tenta ter uma cena de romance....
Então começamos a ver o desenvolvimento da relação de Bentinho com Escobar, e o quanto ele é querido por ele. E também começamos a ter os primeiros indícios de quem seria o traídor da história.
A narrativa então começa a fazer saltos gigantescos de tempo, como se esses anos tivessem sido vazios para Bentinho. Meio livro dedicado a infância, a poucos anos, e outra metade para contar o resto de sua vida. Parece que os melhores anos dele foram a muito tempo atrás. Difícil dizer se é pois Dom Casmurro queria realmente apenas contar a história de sua tragédia, ou se isso reflete a forma que ele próprio viu a sua vida. Uma vida vazia de significado.
No capítulo, "o filho é a cara do pai" fica claro de onde Bentinho tira essa idéia posteriormente. Ele próprio fora identico ao seu pai.
Enfim, temos o casamento, e vemos algumas discordâncias entre os estilos de vida, Bentinho parece nunca ter confiado completamente em Capitu, sempre sentindo que ela conseguia contornar seu ciúmes, sempre sentindo que ela o manipulava a perder seu ciúmes, o convecia. Mas ele próprio nunca sentia que o ciúmes era infundado.
A relação se estreita entre os casais, mas não consigo deixar de notar que as memórias de Dom Casmurro são estranhamente sempre memórias que favorecem sua narrativa posterior de traição. Se antes na infância narrava a tudo, tanto as coisas positivas quanto negativas, agora cada trecho de memória parece favorecer uma narrativa. Ainda a diversos trechos narrativos que ele louva a sua família, Capitu e amigos, mas parece-me mais ególatra e vitimista que algo de boa-fé. A narrativa deixa de se perder em longos devaneios como acontecia em capítulos anteriores, isso favorece a minha impressão que agora ele tem uma narrativa a conduzir, e não memórias a recordar.
O texto não deixa ao certo o por que do ciúmes de Bentinho, mas ele constantemente demonstra ele em sua narração, ele próprio reconhece isso, e despreza, mas é mais forte que ele. Como eu disse, até me parece que ele deseja parecer uma vítima de sua própria fraqueza, ele tenta mostrar virtude em narrar seus erros.
Então vem o enterro, e percebemos que no fim das contas, Dom Casmurro sempre colocou seu ciúmes a cima de qualquer outra emoção, até do profundo luto pelo seu amigo.
Mais uma vez demonstra uma virtude forçada ao narrar sua incapacidade de realizar seu desejo assassino, assim como fora incapaz de realizar ele com os cachorros. "Como ele é piedoso e atormentado por si!"
Então ele desiste da morte, e parte para a "justiça". Logo ele começa a lembrar de mais e mais trechos que favorecem sua narrativa, e isso parece tão fora de tom. Tipo, olhando as andorinhas no fio? Fala sério. E mesmo após a separação, Capitu parece ainda melancólica com toda essa situação. Sabe, se eu imagino alguém energético e manipulativo como Capitu aparenta ser, não consigo imaginar que alguém culpado da traição agiria dessa forma, "sem ódio, afetuosa e saudosas". Ela tentaria o enganar novamente, penso eu...
Vem as mortes da mãe e do agregado que são belíssimos capítulos, como escreve bem esse homem meu deus. E do próprio Ezequiel, que nunca deixou de amar seu pai. Todos morreram e mais nada foi contado deles, como se depois da separação, Dom Casmurro finalmente tivesse nascido, e mais nada ele fez além de amargurar o passado. A ponto de escrever um livro sobre, e viver uma vida vazia com amigos vazios, que nem ele próprio se presta a descrever decentemente.
Então é isso, Dom Casmurro trocou o amor de sua família inteira por um ciúmes infundado, e publica um livro para tentar convencer a todos de sua versão. Me parece muito alguém desesperado a comprovar seus próprios devaneios.
Uau, como Machado de Assis conseguiu escrever esse livro tão BOM!? Tão realista, tão cheio de sutilezas, com uma narrativa tão imersiva, eu REALMENTE SINTO que o personagem escreveu esse livro. Mesmo assim, ele conseguiu cumprir seu objetivo de fazer uma história ambígua até o fim, onde apenas com muita atenção é possível tirar pistas, e mesmo assim, é impossível ter certezas.