osaif 23/11/2023
Talvez o maior desafio da vida seja lidarmos com nós mesmos.
Primeiramente: caso você queira ler o livro e seja sensível, toma cuidado por conta dos gatilhos e temas que o livro aborda ;)
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li esse livro por recomendação de um professor, e estou extremamente grata porque esse é um dos melhores livros que eu já li.
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Angústia é um romance circular que tem fim em si mesmo e definitivamente faz juz ao nome. Inclusive o fim do livro pode até mesmo soar confuso, mas cria um sentido quando você volta para o início da história. O leitor acompanha o narrador/personagem Luis da Silva, que após cometer um crime, começa a repensar sua vida e confundir a trama principal com memórias passadas que surgem sem muitas apresentações. Trancafiado na própria mente, o livro de início pode soar difícil pela sua escrita, porém nada mais é que o fluxo de pensamentos do protagonista, que como todos os humanos, acaba retornando para memórias e pensamentos soltos. Além disso, as sentenças se completam entre elas mesmas, algo que é resssaltado pelo posfácio e torna tudo ainda mais excepcional.
Durante minha leitura eu tive vários ritmos e sentimentos diante ao livro. O começo soava meio sem propósito, um romance que não ficava claro para onde ia chegar. Ao me aproximar quase que do meio, eu estava completamente frenética, queria terminar o livro, descobrir o desfecho, estava empenhada na história. Após isso, me deparei num ponto do romance em que eu sentia que tinha entrado num limbo, eu havia me envolvido com a história de uma forma surreal, porém não tão frenética. Por tocar em temas sensíveis eu não conseguia ler muitas páginas de uma vez, e tive que fazer diversas pausas para processar o que estava ocorrendo. Toda a história anterior havia se culminado em algo completamente complexo, bom e denso. Entrei em contato profundamente com os sentimentos de Luis e em certo ponto, também com os meus.
Agora, irei discorrer de um aspecto que eu amo nesse livro, a semelhança entre ele e meu livro quase favorito: crime e castigo do Dostoievski. A semelhança desde o começo é bem clara, protagonistas soberbos, egocentricos (inclua aqui diversos outros adjetivos negativos) e que idealizam a realidade; e o pior de tudo, é que em algum momento você vai se identificar com eles. Contudo, o ápice da semelhança encontra-se no momento do crime. Tal qual Ralskonikov, Luis martiriza-se, adoece e dá inicio há uma sequência de pensamentos perturbados. Sujeitos à própria mente desequilibrada, seus únicos contatos com a vida se tornam as pessoas que os visitam em seus quartos e suas memórias de quando ainda não haviam se rendido aos seus "instintos".
Igualmente vidas secas, o protagonista sonha em algo maior, em uma vida melhor, em que ele não se sinta tão oprimido pela sociedade que o cerca. Angústia apresenta uma aura de realismo pessimista, os sonhos e desejos da mente humana que ao entrarem em contato com uma vida seca, não se resumem a nada mais do que apenas ilusões. Ademais, ainda é possível extrair uma interpretação politica complexa do livro, porém não irei me estender aqui a respeito disso.
Basicamente, eu amo o graciliano Ramos! Suas obras são simplesmente impecáveis.
E por fim, essa obra magnífica nos traz as reflexões e desafios de viver em nossa própria mente complexa e as vezes, igualmente a de Luis, obssessiva, invejosa e problemática. Podemos tentar fugir da realidade mas nosso interior e pensamentos pertubadores sempre estarão lá. Para acabar com essa angústia Ralskonikov e Luis realizaram seus anseios mais violentos, que ficaram por muito tempo lá martelando na mente deles, até finalmente vir à tona. Realmente, talvez o maior desafio da vida seja lidar com o que não podemos escapar: nós mesmos.