Felipe 06/09/2020
Corda no bolso, o dedo coça.
Precisei(e ainda preciso) pensar bastante sobre Angústia. Uma viagem que não termina ao fim do livro, uma história cíclica. Mais uma vez Graciliano, assim como outros modernistas da segunda fase, usa o regionalismo, o realismo e o cotidiano brasileiro para conversar sobre(e criticar) as realidades socioeconômicas e culturais da época, naquele momento à beira de um golpe de Estado e Ditadura Vargas.
Acompanhamos Luís num fluxo de consciência dos mais pesados com os quais já tive contato. Se você procura uma leitura confortável, e sente conforto apenas quando há linearidade, num primeiro momento eu diria para não ler a obra mas aí lembramos que o objetivo não é ser confortável. Tanto é que o título, veja você, é Angústia.
Seria fácil dizer que há momentos do passado de Luís e um suposto presente mas vamos além disso. São passados, no plural. O próprio suposto presente pode ser um passado que envolve a narrativa das últimas e primeiras páginas do livro. Aprendemos com Einstein (ou com Dark?) que ~A diferença entre passado, presente e futuro é somente uma persistente ilusão~. Mas calma! Graciliano não se meteu com ficção científica. Estamos falando de ordem narrativa. Se o próprio narrador personagem diz “Tenho-me esforçado por tornar-me criança — e em consequência misturo coisas atuais a coisas antigas” podemos dizer que fomos avisados.
Luís é um homem complicado, contraditório, e muitas vezes hipócrita. Tê-lo como narrador nos faz às vezes concordar com o que não deveríamos, outras desconfiar com os dois pés atrás pois sabemos que é um narrador falso-onisciente. Finge saber tudo, finge ter noção do que passa na mente das outras pessoas mas precisamos lembrar que a obra é um grande solilóquio e nós avançamos com sua visão e todos os seus preconceitos.
Nasceu e criou-se em fazendas no interior de Alagoas. Família rica que viu seu Coronelismo “perder lugar” (e seu dinheiro) para o novo jeito de se viver da cidade. Uma “queda” que nós sabemos que serviu apenas para mascarar o sistema. Até hoje temos uma ótima noção de quais são as poucas famílias que tiveram todos os frutos do Coronelismo como elementos basilares de suas riquezas e influência.
Uma pena que, como Graciliano faz questão de apontar através de Luís, o novíssimo e belo Estado de Direito era apenas mais uma criação sistemática onde algumas engrenagens foram substituídas mas o âmago permanecia o mesmo. Nas mãos dos brancos ricos, o poder, e nas mãos dos pobres -principalmente negros - as escoriações.(E não é assim até hoje mesmo?)
Seu orgulho de ser neto do fazendeiro(diremos Coronel) Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva é contraposto no seu sentimento de inferioridade frente a personagens que Luís considerava rivais. Seus desejos sexuais divergem do seu conservadorismo. Seus modos do campo brigam com sua nova realidade na Capital. Numa disputa entre seus lados vence o que Luís acha mais apropriado pra cada situação. ~~Adquiro ideias novas mas essas ideias brigam com sentimentos que não me deixam.~~
Iniciei sem saber sobre o que seria e desde as primeiras páginas Graciliano me segurou. Admito que tomei um susto num momento específico. Minha paciência é mínima (leia-se nula) para casais e cenas de personagens em relacionamentos amorosos. Num ponto da história aguentei aproximadamente 15 páginas torturantes de personagens se apaixonando e seus desejos sexuais. Meu tédio apareceu e me bateu um “Até tu, Brutus?”. Estava enganado. Felizmente após essas poucas páginas Graciliano volta com a facada no bucho que eu estava esperando. Obviamente se esse é um autor que escolhe palavra por palavra o romance não estava ali apenas por entretenimento mas para desenvolver Luís e catapultar seus sentimentos e preconceitos a um vôo que só acaba numa espiral literária digna de um surrealismo que eu jamais esperava de Graciliano. Um mestre da prosa. Mesmo não tendo a mesma secura da obra onde víamos a família de Fabiano e Baleia, temos a mesma rispidez real de suas personagens. O homem escrevia.
Após concluir o livro, dê uma respirada de alguns minutos, pense um pouco e em seguida experimente reler as 10 primeiras páginas. Graciliano faz o que quer com nossa visão. Impressionante.
Minha edição tem um Posfácio muito interessante de Silviano Santiago. Dos pontos abordados um que me chamou atenção foi sobre o uso do Futuro do Pretérito para momentos de ilusão dos personagens, do quase pessimismo de Graciliano usando exemplos de Angústia e Vidas Secas. Nunca mais lerei deixando passar isso.
Por último, foi fascinante ver uma história tão forte com personagens tão interessantes que me parecem os que vejo no meu cotidiano. Vivendo todos os seus dramas por bairros e áreas que conheço, que vivo. Uma representatividade que em meio à Angústia me fazia sorrir ao ouvir a menção àquela praça, àquela esquina, àquela rua. Demorei muito pra começar a estudar e acompanhar Graciliano. Não largo mais.