Lista de Livros 02/09/2020
Lista de Livros: Hegel - a razão quase enlouquecida, de Leandro Konder
Parte I:
“O fantasma do jacobinismo, na cabeça de Hegel, precisava ser exorcizado. Em Tübingen, ele tinha simpatizado com o entusiasmo jacobino de Hoelderlin. Em Berna, tinha lido com encanto as páginas escritas pelo jacobino Georg Forster. Em Frankfurt, porém, estava decididamente convencido de que os anseios de transformação revolucionária precisavam ser cuidadosamente decantados, contidos, para não desencadearem tumultos indesejáveis, que afinal acabariam por ensejar retrocessos.
Sua preocupação o levava — como observou Lukács, em "O Jovem Hegel" — a fazer uma opção metodológica problemática: em lugar de pensar primeiro a realidade objetiva da sociedade burguesa, com sua dura dinâmica hipercompetitiva, para depois começar a compreender as condições subjetivas das pessoas que a integravam, ele partia do ângulo dos sujeitos individuais isolados (que correspondia, de maneira imediata, à situação que ele próprio estava vivendo) para tentar chegar à “positividade” das instituições, coaguladas, com as quais esses indivíduos estavam condenados a lidar.
O ponto de vista adotado permitia a um homem sozinho enxergar questões importantes; mas, na medida em que não lhe proporcionava a possibilidade de se identificar com ações coletivas, com qualquer força social atuante, dificultava-lhe enormemente o aprofundamento da análise política das questões enxergadas, impedindo-o de mergulhar nelas com profundidade suficiente para discernir a direção histórica em que sua solução podia ser concretamente proposta.”
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Parte II:
“De certo modo, a revisão crítica (sobre a obra de Hegel) começou logo após sua morte, quando o hegeliano Marx (não devemos esquecer que Marx foi hegeliano do início de 1837 até meados de 1843) empreendeu um vigoroso acerto de contas com o autor da Filosofia do Direito.
Marx exaltou a genialidade da concepção hegeliana do homem como um ser que se criou a si mesmo e continua se criando (o processo de autocriação constante) através de sua atividade específica, que é o trabalho humano. Hegel pensou essa autocriação e também seu avesso: a exteriorização e o estranhamento do sujeito humano naquilo que ele põe na realidade objetiva. Para Marx, no entanto, o acerto fundamental dessa concepção ficava prejudicado pela extrema abstratividade do desenvolvimento que Hegel lhe deu.
Hegel era, inequivocamente, um idealista: subordinava o movimento da realidade material, dos objetos sensíveis, a um princípio, a uma ideia, que lhe esclarecia o sentido. Desse modo, o homem concreto, de carne e osso, em sua dimensão insuprimivelmente corpórea, tendia a ser visto como um ser meio evanescente, que só existia tomando consciência de sua autonomia espiritual. Virava um sujeito abstrato: “o saber é seu único comportamento objetivo”, dizia Marx.
O homem se reduzia à autoconsciência, sua atividade se reduzia ao pensamento. E Marx acusava: “O único trabalho que Hegel conhece e reconhece é o trabalho abstratamente intelectual.” Então a atividade específica pela qual os homens se realizam e desrealizam, genialmente entrevista, sofria uma descaracterização. E a história da humanidade — o movimento geral dos seres humanos se realizando em suas atividades concretas — tendia a se deixar enquadrar por um modelo lógico. Nas palavras de Marx: em vez de se empenhar em apreender “a lógica da coisa” (o sentido do movimento das coisas materiais), Hegel entronizava “a coisa da lógica” (o império de entidades que só têm existência efetiva dentro de um determinado enquadramento lógico prévio).
As consequências da adoção desse esquema podiam ser vistas na concepção hegeliana do Estado: transformado especulativamente em “coisa da lógica”, em ente de razão, o Estado passava a comandar o movimento da família e da sociedade civil-burguesa. E Marx, prosseguindo em sua crítica, escrevia: “Família e sociedade civil-burguesa são pressupostos do Estado. São elas as realidades efetivamente ativas. Na especulação, contudo, verifica-se uma inversão.” O Estado não se limita a coroar o processo de realização da eticidade; ele passa a dar sentido ao que veio antes (e lhe fica subordinado). Com isso, alertava Marx, o Estado passava a alimentar a ilusão de que determinava a propriedade privada (elemento da sociedade civil-burguesa), mesmo quando seus movimentos eram claramente determinados pela propriedade privada.”
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