Renata 15/01/2012Antiguidade, Medievalidade e Renascença: uma abordagem O livro, originalmente intitulado "Renaissance and Renascences in Western Art", foi escrito por Erwin Panofsky (1892-1968), crítico e historiador alemão da arte. É um dos grandes utilizadores do método iconológico: analisa a obra artística em si e depois a analisa à luz de informações como quem a fez, onde, como e por quê. Graduou-se na Universidade de Friburgo, em 1914; na década de 1920 deu aula na Universidade de Hamburgo, mas saiu da Alemanha quando os nazistas ascenderam ao poder, indo instalar-se nos Estados Unidos. Lá deu aulas nas universidades de Harvard, Princeton e Nova York. Seu livro propõe uma discussão sobre o que é o Renascimento e se ele foi algo único na história da arte.
Ele é oriundo de uma série de conferências ocorridas no Castelo de Gripsholm, no início dos anos 1950, promovidas por D. S. Gottesmann, cônsul da Suécia em Nova York na época. Seu livro se divide em quatro partes, interligadas entre si. Os dois primeiros capítulos se ocupam de tentar definir o que é o Renascimento, se ele existiu, se ele foi construído, quem o construiu e o que faz com ele seja contraposto à época anterior, lamentavelmente denominada por uma historiografia tradicional de Idade Média . O terceiro capítulo mostra como a arte italiana do trecento se disseminou para outros lugares do globo; e o quarto, o quatrocento, considerado por ele o verdadeiro Renascimento.
Por essa afirmação, já podemos perscrutar o pensamento do autor: para ele, houve um Renascimento, no século XV. A arte do trecento seria um meio caminho entre a arte medieval e a renascentista, assim como, guardadas as devidas proporções, o maneirismo vai ser um meio caminho entre a renascença e o barroco. No tocante à questão que ele propõe nos dois primeiros capítulos, há um parágrafo que resume a sua ideia. Embora a citação seja longa, vale a pena reproduzi-la, a fim de que possamos analisar melhor o pensamento do autor:
"A Idade Média deixara a Antiguidade por enterrar, ora galvanizando ora exorcizando o seu cadáver. O Renascimento ficou a chorar junto ao seu túmulo, tentando ressuscitar-lhe a alma. O que conseguiria num momento fatalmente auspicioso. Essa é a razão pela qual o conceito medieval da Antiguidade era tão concreto e, simultaneamente, tão incompleto e distorcido; ao passo que o conceito moderno, que gradualmente foi formado no decorrer dos últimos trezentos ou quatrocentos anos, é compreensivo e consistente mas também, se assim, se pode dizer, abstracto. E é por essa razão que os renascimentos medievais foram transitórios e o Renascimento permanente. As almas ressuscitadas são intangíveis mas têm o privilégio da imortalidade e da omnipresença. Por isso, o papel da antiguidade clássica depois do Renascimento é um tanto evasivo mas, também, omnipresente – e apenas mudará quando mudar a nossa própria civilização." (PANOFSKY, 1981, p. 160.
Cremos que se a Idade Média “deixara a Antiguidade por enterrar”, seria impossível ainda nos dias de hoje existir as obras de Homero, Platão e a da maioria dos autores antigos. Seria impossível que a Catedral de Estrasburgo (c. 1230) possuísse estátuas tão parecidas com as da Antiguidade, com um tímpano representando a morte da Virgem cujo semblante lembra o da Vênus. Os medievais conservaram a literatura, a arte, a techné Antiga; se não fosse por isso, o “Renascimento” não poderia ter “renascido” a Antiguidade . Não foi o século XV que renasceu a arte antiga: ela nunca morreu, mas foi apropriada ativamente por outros povos, inclusive na Idade das Trevas.
Outro problema que aparece em suas análises é o da perspectiva: ela não deixou de existir e foi redescoberta por Giotto; ela também sempre existiu. As razões para um pintor do medievo não pintar em perspectiva são diferentes da ignorância, do não-saber. Além disso, o autor se atém muito à pintura, afirmando que a arte do trecento foi mais expressiva nesse ramo e que ela foi intrinsecamente italiana. Entendemos que esse é um recorte dele, mas poderia ficar mais explícito isso em seu livro, pois, à medida que ele fala em arte, pensamos que ele vai tratar de algo mais amplo (escultura, arquitetura, ourivesaria, entre outros).
O autor traz inovações no método de análise das obras de arte, visto que considera também o contexto de produção, não apenas o conteúdo visual e técnico da obra. Em sua época, E. H. Gombrich também lançava seu livro A História da Arte (LTC, 2008), que objetivava apresentar uma introdução a esse estudo a jovens; este autor procura fazer um movimento parecido com o de Panofsky, apresentando as obras ligadas a um contexto . Além disso, o livro é bastante ilustrado (cento e cinquenta e cinco imagens), permitindo-nos acompanhar o raciocínio de Panofsky, fora as reproduções geométricas, que, embora difíceis de compreender, enriquecem seu estudo e reafirmam a necessidade do historiador, sobretudo da arte, de dialogar com outras áreas do conhecimento fora das ciências humanas.
Sua abordagem inova ao mostrar que não há como se periodizar o “Renascimento”, bem como ao verificar que houve outros “renascimentos” durante a Idade Média; entretanto, suas concepções padecem da ideia de que houve, sim, um grande Renascimento, diferente dos “renscimentos” anteriores (“transitórios”, segundo ele) e que se diferia bastante do período anterior. Como o próprio autor afirma, a Antiguidade é uma constante, até mesmo porque a civilização ocidental é produto dela; assim, afirmar que houve um meio entre ela e o século XV é um estigma que ainda deve ser superado pela historiografia.