Julia G 07/11/2011A Cidade Ilhada - Milton HatoumPublicado originalmente no blog http://conjuntodaobra.blogspot.com
Já há algum tempo que li Dois Irmãos, de Milton Hatoum, e simplesmente adorei. Considerando que era uma leitura obrigatória para vestibular, na época, imaginei que iria gostar ainda mais quando pudesse ler por opção. Acabei não buscando algo do autor por algum tempo, mas agora que tinha um livro de contos dele em mãos, tentei mergulhar na leitura de forma imparcial. E me surpreendi.
É impossível não se deixar envolver pelas palavras do autor. Carregadas de sentimentos reais, por vezes sombrios ou puros, fazem de contos simples uma obra para reler durante a vida. São textos originais, surpreendentes, que vão desde a loucura de Bárbara no Inverno à doçura de Um Oriental na Vastidão.
Não sei quanto disso é verdade, mas ouvi dizerem uma vez que Hatoum, considerado escritor contemporâneo, questionou o motivo de não ser considerado realista: "Porque não nasci no século XIX?". Encontros na Península, por exemplo, cita idéias de Machado de Assis, que, de acordo com o conto só falava de "loucos e adúlteros". E não falta disso em A cidade Ilhada: Bárbara no Inverno, já citado, O Adeus do Comandante, A Casa Ilhada, A ninfa do teatro Amazonas, o próprio Encontros na Península, entre outros, tratam de ao menos uma dessas características.
E de todos os contos, apenas dois não se passam ou citam Manaus. Como o próprio Hatoum cita, "para onde eu vou, Manaus me persegue" (pág. 26). É interessante ver como o autor mescla ficção e realidade. Fica quase impossível definir, em vários textos, quanto dos fatos narrados são ou não acontecimentos reais. Os próprios personagens, por vezes, aparecem em mais de um conto, como tia Mira e tio Ranulfo, que podem ser vistos também em seu romance Cinzas do Norte, de 2005; Lyris, personagem de Uma estrangeira na nossa rua, recebe uma dedicatória em Manaus, Bombaim, Palo Alto. E quanto do livro são fatos que ocorreram com Milton? Impossível saber.
A linguagem do autor é totalmente usual, o que facilita a leitura e a compreensão, e é por vezes carregada de uma ironia subentendida. Subentendida, por sinal, talvez seja exatamente a palavra para descrever esse livro. Nada é entregue de bandeja, como degustar um belo prato de olhos fechados. Sentir, perceber e imaginar.
Como já citei aqui no blog antes, me rendi aos contos. E os "finais" de Hatoum, abruptos, nos permitem visualizar uma continuação da forma que quisermos, ou odiar o autor por não nos contar. Mergulhei de cabeça em cada conto e queria mais, sempre mais... e havia nada além de questionamentos. Como a vida, que não sabemos como será e se realmente haverá um fim para determinados momentos. Isso não torna o livro ruim, entretanto. Foi exatamente essa antítese entre desejar e não receber que me fez gostar de cada vírgula dessa obra.