Deixem Falar As Pedras

Deixem Falar As Pedras David Machado




Resenhas - Deixem Falar As Pedras


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Renata (@renatac.arruda) 28/01/2014

"Sou a pedra que se mexe entre todas as pedras"
Mais um integrante da acertada coleção Novíssimos, da editora LeYa, dedicada a difundir alguns dos nomes mais expressivos da atual literatura portuguesa, Deixem Falar as Pedras é assinado pelo jovem David Machado, autor que se divide entre a publicação de contos, romances e premiados livros infantis.

Abrindo o livro de maneira impactante, encontramos o adolescente Valdemar agredindo um colega da escola e pensando em como este episódio o ligava a outro, passado com o avô em uma de suas histórias. Valdemar diz se sentir culpado pelo destino do avô e é com esta introdução que somos levados a adentrar a vida de Valdemar e o passado de Nicolau Manuel, na prosa fluida e inteligente de David Machado


Sobre Valdemar, sabemos que é adolescente rebelde, filho de um pai exigente e mãe ausente, que enquanto busca um modelo a seguir, se envolve em brigas e nutre uma paixão não correspondida pela melhor amiga Alice, uma menina anoréxica e livre que divide com ele a paixão pelo rock pesado, os cigarros e o sexo. Muitas vezes Valdemar sente o peso da vergonha das suas atitudes, aparecendo sempre como dragões à espreita, prontos para mergulhá-lo em seus bafos quentes. Aos olhos de Valdemar seu avô, Nicolau Manuel, é um herói desgraçado cujo amor nunca teve a chance de ser consumado. Sendo confundido com o irmão e injustamente preso pelos oficiais da ditadura, na véspera de seu casamento com Graça dos Penedo, Nicolau Manuel vive toda a sorte de desventuras quase kafkianas sendo constantemente perseguido, delatado, preso e torturado por uma ligação comunista que nunca existiu e passa toda a sua vida com o propósito de contar a verdade para Graça dos Penedo e se vingar daquele que para ele é o grande vilão de sua história
: Amadeu Castelo, o alfaiate que costurara seu terno de casamento e que acabou se tornando marido de sua ex-futura esposa.




Tendo crescido ouvindo as histórias do avô, Valdemar passa a acompanhar religiosamente o obituário do jornal na esperança de que quando o alfaiate estiver morto Nicolau finalmente volte à vida - já que no presente o avô encontra-se em estado vegetativo apenas assistindo novelas na TV. Quando a notícia finalmente chega, o avô não parece sequer se dar conta e então o menino toma para si a tarefa de encontrar a viúva Graça dos Penedo, agora Graça Castelo, e contar-lhe a história que o avô sempre quis esclarecer, acreditando que assim Graça irá ao encontro de Nicolau Manuel e enfim a justiça terá siso feita e seu avô tido um final. Ao narrar para Graça, é também para nós que Valdemar conta uma história cheia de azares, mal entendidos e reviravoltas que, ainda que nada possa ser confirmado e o próprio narrador chegue a afirmar que certas situações possam parecer inverossímeis, não deixa pontas soltas.

A história de Nicolau Manuel também é história recente de Portugal - sua perseguição e todas as situações violentas e absurdas as quais fora obrigado a se submeter recontam as histórias dos perseguidos e torturados durante a ditadura de Salazar e assim podemos encarar o pano de fundo do livro como uma bela metáfora: o passado de Nicolau Manuel e seu impacto no presente e futuro do neto; os acontecimentos do passado, ocorridos desde lugares tão remotos, que modelam o presente, tornando-se uma obra "sobre a identidade, a memória, a distância entre o país rural e o país urbano, o pré e o pós-25 de Abril", como comenta João Bonifácio em sua excelente análise do livro.

Ainda que importante, principalmente para a construção da imagem de Nicolau como uma espécie de herói, o viés político é secundário no livro. Narrado ora contando a vida do adolescente, ora o passado do avô, David Machado faz um exercício de metalinguagem ao escrever uma história sobre a necessidade de se contar uma história e, mais à frente, iremos perceber que o próprio livro em si na verdade se trata do diário de Valdemar - e maneira como David Machado escolheu para fazer isso não poderia ter sido mais simples e original:

Leia mais no Prosa Espontânea:

site: http://mardemarmore.blogspot.com.br/2013/12/deixem-falar-as-pedras-david-machado.html
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Viviane 07/09/2016

Novos horizontes !
Acredito que como leitora não devo me apegar a um único estilo de livro.
Me considero mais uma desbravadora de autores e livros.
Neste romance do escritor português Daniel Machado vamos encontrar o protagonista o menino Waldemar que convive com seu avô e acredita em todas as histórias contadas por ele. O pai de Waldemar é rígido com o filho e sua mãe é ausente.
Waldemar conta com a companhia da amiga e ex namorada Alice e seu avô em quem confia plenamente nas palavras e histórias. A história de um homem que perdeu a mulher amada(graça) para o alfaiate (Amadeu) e sofreu as piores privações e humilhações por conta da ditadura portuguesa.
Waldemar sai em busca de respostas para aplacar o sofrimento do seu avô.
Uma história intrigante, emocionante.
"Será possível que o homem, cuja história se adensou pelos meandros baços do cinismo, tenha ele próprio aprendido e apurado essa arte milenar do comportamento humano?"
Recomendo muito esse livro.
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Leila 14/10/2024

David Machado, autor do maravilhoso Índice Médio de Felicidade, retorna com Deixem Falar as Pedras, uma obra mais densa e introspectiva, que explora temas como memória, senilidade e as imperfeições das relações familiares. Embora não tenha a leveza e a extroversão do trabalho anterior, Deixem Falar as Pedras oferece uma leitura cativante e provocativa.
A trama se desenvolve em torno de Nicolau Manuel, cuja vida foi marcada por um mal-entendido devastador: sua crença de que o alfaiate responsável por seu terno de casamento seria o culpado por sua prisão. O autor constrói de forma brilhante a tensão gerada por essas “conversas atravessadas”, que moldam e envenenam vidas inteiras. Nicolau vive com ódio, carregando uma mágoa não resolvida, o que afeta profundamente seus relacionamentos e escolhas.
O que mais me chamou atenção foi a habilidade de Machado em brincar com a dualidade entre memória e senilidade. O leitor é levado a questionar, em diversos momentos, se o que está sendo narrado são fatos ou ilusões criadas pelas mentes dos personagens idosos, que não são figuras confiáveis. Esse jogo narrativo não apenas instiga a dúvida, mas também reforça a fragilidade da memória humana, em um interessante contraponto com a busca por verdades inatingíveis.
Outro ponto alto do livro, para mim, foi a relação de cumplicidade entre Nicolau e seu neto, Valdemar. Enquanto a relação entre Nicolau e seu filho é marcada por distanciamento e ressentimento, o vínculo entre avô e neto parece ser de maior profundidade e afeto. Valdemar, com sua complexidade emocional e seu diário introspectivo, busca entender e resgatar as memórias do avô, em uma tentativa de dar sentido ao que restou da história de sua família.
Além disso, o livro está inserido no contexto histórico da ditadura de Salazar em Portugal. A prisão de Nicolau não é apenas um incidente pessoal, mas está diretamente ligada ao regime repressivo da época, marcado por perseguições e censura. O impacto da ditadura salazarista sobre os personagens é profundo, refletindo-se tanto nas suas experiências de vida quanto na maneira como lidam com o passado. Machado tece essa crítica ao regime de forma eficaz, trazendo à tona as cicatrizes deixadas por esse período na sociedade portuguesa.
A obra também nos apresenta famílias imperfeitas, revelando as falhas e tensões tanto no relacionamento entre Nicolau e seu filho quanto na estrutura familiar de Valdemar. A mãe de Valdemar, uma figura ausente e ocupada, é retratada quase como um ser etéreo, distante em momentos importantes da vida em comum, o que adiciona mais camadas de reflexão sobre os laços familiares.
Enfim, achei mais um livraço do autor português e pena não haver mais obras dele por aqui. Se encontrarem qualquer um dos dois por aí, vá sem medo de errar. #ficaadica
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