Thiago Burigato 12/10/2011
Bom como jogo, ruim como literatura
Jamais havia tido contato com um livro-jogo antes de embarcar na trama de Cidadela do Caos. Na verdade, sequer conhecia o conceito até pouco tempo atrás (embora já o tivesse imaginado e até pensado em escrever algo semelhante). Tampouco havia participado de uma partida de RPG de mesa, apesar de conhecer muito bem seu conceito e fundamentos.
Pra você que está se perguntando o que diabos é um livro-jogo eu explico: trata-se de um tipo de mistura entre literatura e RPG, onde o leitor, munido da ficha de seu personagem, de um lápis, borracha e dados, toma as decisões pelo protagonista da história, batalhando contra inimigos, escolhendo caminhos a serem percorridos, equipamentos a serem utilizados, feitiços a serem lançados etc., além de eventualmente fazer anotações de danos e mudanças de estados. É mais ou menos como se o livro mestrasse uma partida de um “Jogo de Interpretação” para o leitor.
Dito isso, asseguro que A Cidadela do Caos trata-se de uma excelente porta de entrada para o mundo dos RPGs. Escrita e desenvolvida por Steve Jackson e publicada em terras tupiniquins pela Jambô sob o selo de livros-jogos da editora, o Fighting Fantasy, a trama se desenvolve ao redor de um aprendiz de mago que deve invadir uma cidadela, assassinar o diabólico feiticeiro que a governa, e assim evitar uma guerra iminente.
Deparei com a obra mais ou menos ao acaso, justamente enquanto pesquisava mais informações sobre jogos de RPG. Pagando R$19,00 no sítio da própria Jambô resolvi descobrir do que se tratava. Em dois dias terminei minha primeira aventura, sem poder cumprir minha missão ao ser morto em uma queda fatal em uma das muitas armadilhas do jogo.
A estrutura do livro é muito bem desenvolvida; suas escolhas sempre te levarão a lugares e situações diversas. O aspecto técnico do jogo, ainda que obviamente não chegue aos pés do de um RPG, também foi muito bem produzido: as batalhas se desenrolam de forma satisfatória e sua lista de atributos e itens está, talvez, no topo de complexidade que este tipo de aventura poderia exigir antes de se tornar maçante ao cair pela ladeira do excesso de tecnicidade; o que provavelmente teria acontecido se o autor resolvesse listar alguns atributos a mais (além dos presentes Habilidade, Energia, Sorte e Magia), ou exigisse algumas jogadas de dados e cálculos extras para se determinar uma partida.
Todas as regras para as batalhas, os feitiços e a criação do personagem estão muito bem detalhadas logo no começo, e para facilitar a vida dos jogadores, há um modelo de ficha que pode ser copiado. Além disso, no final de cada página par há a representação de dois dados convencionais (de 6 lados) com resultados diferentes, de modo que o usuário pode sempre abrir uma página aleatoriamente e usar o resultado que encontrar quando não puder e/ou não quiser rolar os dados que (não) tiver em mãos.
Enquanto a parte “Jogo” da obra revela-se muito bem trabalhada, minha maior crítica reside justamente na parte literária. Entendo que o livro foi produzido tendo em mente que quem o leria estaria muito mais interessado na parte “divertida” da obra, porém, talvez ela se tornaria uma experiência muito mais agradável se os personagens e ambientes tivessem sido melhor trabalhados. As partes descritivas resumem-se a um ou, quando muito, dois parágrafos (às vezes até em uma linha), de forma que o leitor se verá jogando dados, anotando números e folheando páginas ao mando do livro por muito mais tempo do que lendo em si. Um pouco mais de história, de detalhes, de desenvolvimento de personagens, proporcionariam certamente uma imersão maior no mundo do livro-jogo, resultando também em mais diversão. De qualquer forma, há diversas ilustrações em preto e branco espalhadas pela obra, o que, se tira pontos da parte imaginativa do todo, ao menos a torna mais interessante, nos fazendo captar melhor as impressões que o autor queria nos causar.
Sei que parece estranho reclamar disso numa crítica de uma obra de fantasia, ainda mais de um livro-jogo, mas certos aspectos da falta de realismo chegam a se tornar incômodos. E quase todos eles são resultantes da falta de profundidade com que os personagens são tratados. Salvo raríssimas exceções, todos naquela cidadela (onde se passa 99% da aventura) estão sempre prontos para atacar, trair ou armar armadilhas para o protagonista, como se estivessem há anos aguardando sua chegada, dormindo com uma faca sob o travesseiro, preparados para o matarem na primeira oportunidade que houvessem. Como se tivessem nascido e sido criados com essa missão em mente. Quase não há diálogos e (quase) nunca há um pano de fundo para qualquer personagem.
Fora esses detalhes, que podem facilmente ser descartados por aqueles que estão mais empolgados com as jogadas de dados e matanças de monstros, mutantes, elfos, gárgulas e outras criaturas fantásticas, A Cidadela do Caos é um excelente passatempo. Vale a pena ser jogado repetidas vezes já que suas escolhas podem te levar a caminhos novos, desenrolando uma nova jornada para o seu mago. A cada rodada o leitor poderá aprender mais sobre quais as melhores decisões a serem tomadas, e então escolher o caminho mais fácil (ou o mais difícil!) torna-se um novo desafio.