Henrie 01/02/2020
A BELA QUE VEIO: Nefer Neferu Aton Nefertiti
"Amenófis IV ergueu bem a cabeça que ostentava a dupla coroa de lírio e de papiro. Em sua testa brilhou a serpente sagrada, cujo hálito ardente devia eliminar um inimigo demasiado audacioso."
[...]
"Amon deposto? Impossível!", pensavam eles. "O faraó enlouqueceu!"
Este livro curto é uma introdução maravilhosa aos costumes do Antigo Egito. Dentre tantos livros sobre essa fascinante civilização que li até hoje, poucos se aprofundaram tanto na atmosfera egípcia como este. Chiang Sing, pseudônimo oriental de uma autora brasileira, pesquisou e estudou por sete anos para compor a sua narrativa que, além de romance histórico, convém também como fonte didática e material de consulta a respeito dos costumes, cenário, vestimenta e vida como um todo do povo egípcio antigo. A bibliografia listada ao fim da obra é extensa. O livro foi escrito sobre ótica romanceada e histórica, e tal como foi escrito, pode ser lido das duas maneiras.
A narração inicia-se com uma cena de contextualização, na qual nos é mostrado a jovem e bela Nefertiti arrumando-se em frente ao espelho de seu quarto, no dia em que completa treze anos. Na cena, a autora contextualiza os acontecimentos futuros, ao mesmo tempo em que descreve a vida cotidiana naquela época. Ainda, somos apresentados nas páginas seguintes a alguns personagens principais, além de sermos brindados com descrições minuciosas das vestimentas e jóias usadas pela realeza naquele período. A autora tece com delicadeza a amor do nosso famoso casal, Akhenaton e Nefertiti, mostrando aos poucos como o desprezo da jovem e bela princesa transformou-se no mais profundo amor pelo seu meio-irmão (incesto era comum entre a realeza egípcia, mantendo assim o poder em família), a quem considerava feio e disforme. O amor verdadeiro, além das formas.
Mergulhamos num clima histórico convincente como poucos livros que abordaram a temática egípcia o fizeram. Chiang Sing, com sua escrita por demais descritiva, cumpre com louvor a sua proposta de contar sob seu ponto de vista a vida de uma das maiores e mais famosas rainhas do Egito, levando-nos a uma forte e agradável viagem ao passado distante.
A escrita da autora também é elegante, valendo-se de floreios lingüísticos que tornam sua narrativa ainda mais bela; mas ela vai além e não nos limita apenas ao Egito, como também com maestria descreve os costumes e crenças religiosas, as vestimentas, a arquitetura, a realeza e o próprio biótipo dos hititas, o povo dos mil deuses do qual pouco sabemos. Mais que uma obra, a autora deu-nos um livro didático sob forma de romance. Das jóias à vegetação característica; dos cânticos aos festivais; da descrição impecável do cenário ao figurino dos personagens; Chiang Sing nos faz realmente enxergar o esplendor antigo de uma das maiores civilizações que já floresceram na terra.
O principal defeito da narrativa é a rápida velocidade com a qual se dá os acontecimentos. As cenas são muito curtas e, por vezes, o livro deixa de ser uma narrativa de romance para se tornar algo mais histórico e didático, algo que, ao mesmo tempo que nos ensina magistralmente a respeito dos antigos egípcios, pode cansar os leitores mais ansiosos. Apenas este ponto de desequilíbrio me desagradou na obra: a brevidade das cenas de ação e reação, e a longa extensão dos festivais e rituais, detalhados à minúcia. Fora isso, o livro todo é paramentado de cânticos, louvores e poesias antigos tornando-o ainda mais poético e emocionante.
"Salve Nefer-neferu Nofretete Nefertiti,
a herdeira favorita, soberana cheia de graça,
senhora dos dois países, a de semblante claro,
da felicidade a cuja voz o rei se rejubila,
a favorita de Amon, Nefertiti, a bela que veio,
que ela viva e floresça e fique jovem
por toda a eternidade!"
Outro ponto que me incomodou foi o fato de alguns personagens do livro ficarem de lado e não serem mais citados no decorrer da narrativa; e mais, alguns terem um desenvolvimento aquém do que mereciam. Em contrapartida, dou aqui um destaque para a rainha Tii, que com sua personalidade marcante e forte presença física, tornou-se uma das protagonistas da história.
Em seu livro Gestação da Terra, o autor Robson Pinheiro compara o Egito atual a "uma candeia apagada, apenas"; digo que, com Nefertiti e os Mistérios Sagrados do Egito, é como se a chama do esplendor egípcio voltasse a se acender nessa candeia, diante de nossos olhos, mesmo que por um curto - mas inesquecível - período.
"Tú estás no meu coração, ó Aton!
Tu és meu Pai, eu sou Teu filho
Nascido de teu próprio seio!
Tua carne, teu corpo na Terra: Akhenaton!"