Felipe Duco 15/04/2018
O prazer de saborear a maneira como Murakami escreve supera a satisfação de ler sobre os temas que ele escolheu abordar.
O ponto mais forte do Murakami certamente é a escrita, isso é quase incontestável. A escrita excede o enredo. O prazer de saborear a maneira como Murakami escreve supera a satisfação de ler sobre os temas que ele escolheu abordar. O livro tem uma mistura maravilhosa de fluidez com poesia (um equilíbrio que não faz o livro ser fluido a ponto de ser fútil, nem tão poético a ponto de nos causar sono. Encontrar esse equilíbrio é realmente uma conquista notável, digna da grandiosidade do autor).
Um fator que achei impressionante foi a façanha de Murakami de conseguir ter uma distribuição perfeita ao espaço dos personagens. São três protagonistas, cada qual com seu momento na trama adequado, dentro da narrativa, envolto ao contexto, na hora certa e com seu grau de importância meticuloso. Temos Sumire, a garota de personalidade difícil, descolada intelectualmente e de aparência bagunçada, que se apaixonada por Miu, uma mulher mais velha. Tenho que fazer um adendo aqui sobre esse amor de Sumire por Miu. O primeiro parágrafo nos entrega e nos prepara para o amor de Sumire que, como diz o mesmo, se trata de “um amor intenso, um verdadeiro tornado que varre planícies – aplanando tudo em seu caminho, lançando coisas para o ar, deixando-as em frangalhos, triturando-as.” E no entanto, eu não vi nada na história que me remetesse a um amor nessa magnitude. Claro que há a questão do final, (que eu não entendi muito bem). Mas mesmo se for o que parece que é (ou mesmo se for o que eu acho que entendi) ainda não justifica esse amor catatônico que pode ser comparado com um tornado. No mais é um amor comum, dado por uma pessoa perturbada e muito chata (a própria Sumire), onde ela mesma se pune de um jeito que pode ser definitivo - ou não - por ser rejeitada. (Espero do fundo do meu coração que isso não seja considerado um spoiler). Miu é essa mulher mais velha alvo desse “amor”. É ocupada, profissional, culta e totalmente reservada (por um motivo bizarro). Tão reservada, que em alguns momentos nos faz desconfiar da veracidade das coisas que afirma, pois nunca sabemos se o que ela está revelando é realmente tudo o que tem ali. E por último e muito mais importante temos o nosso querido narrador! Pra mim, o melhor personagem do livro.
É de conhecimento geral que não podemos confiar de olhos fechados em narradores apaixonados pelos sujeitos narrados, pois seus pontos de vista podem estar infectados por sentimentos que comprometam a verdade de tudo o que está acontecendo. Mas K. é um personagem tão liberal intelectualmente, tão correto e honesto em tudo o que relata a respeito de si próprio, que me deu um grande voto de confiança pra acreditar na fidedignidade dele ao contar a história das outras duas personagens pelo seu ponto de vista.
Achei que os três personagens interagem bem entre si, como já disse, cada um tem o seu ápice de protagonismo e o desempenham de uma maneira sensacional.
Entretanto o final foi um ponto totalmente a parte.
Murakami não nos dá nenhum indício que vai ter algo fantasioso no meio da trama, então depois daquele grande evento (que pode ser considerado o clímax da história) eu estava esperando uma explicação lógica e realista pra resolver todo o caso até o último parágrafo e como sabemos isso não aconteceu. Não vou dizer que fiquei decepcionado, mas um pouco confuso e não inteiramente satisfeito.
É certamente uma leitura que eu recomendo, muito bem escrita, muito encaixada, entretém com qualidade, tem passagens maravilhosas, reflexões sobre diversas questões do relacionamento humano e além de enriquecer seu repertório de leitura, vai nos presentear com várias horas agradáveis de literatura de uma imensa qualidade.