Annie 04/10/2011Ratos, por Ana NonatoNOTA 10 - ÓTIMO!
Espaço
No começo do livro, é mais diverso (durante os flashbacks da personagem e sua volta à realidade).
Caracterização: Mesmo com a narração feita em 1ª pessoa, a discrição é muito objetiva e detalhada, feita de forma lenta e gradual pela personagem. É nítida a característica do thriller. A ambientação, mesmo que objetiva, feita em primeira pessoa possibilita ao leitor que se localize no enredo e se sinta dentro do mesmo; traço marcante do suspense psicológico.
Tempo
Século XXI, pouco mais de um ano entre os eventos da narrativa.
Caracterização: Totalmente coerente com a descrição espacial: lenta, gradual, quase feita dia a dia. Isto corrobora para que o ritmo seja acentuado gradativamente e do mesmo modo refreado após os picos da narrativa (que são 3). Embora a localidade principal seja um chalé no campo, os aparatos tecnológicos de que as personagens se valem, indiretamente, denotam a modernidade em que o romance se ambienta.
Personagens
Ponto alto do romance. Trata-se de um triller psicológico, com poucos momentos de grande movimentação das personagens (exceto nos clímax, e isto ocorre de forma gradual e rápida, atingindo um ápice e voltando ao início como em uma parábola. Estes momentos de ação são necessários apenas para que o desfecho ocorra, um instrumento de que o autor se vale e que têm papel apenas adjacente na história).
A personalidade das personagens é um aspecto importante, mas não o mais. O foco principal é a alteração que o sofrimento, a rejeição e a morte produzem na personalidade aparentemente rígida de uma personagem. Ao criar personagens fracas, inconstantes (ratos) e que amadurecem de forma lenta e terrível durante o enredo, o autor produziu uma trama psicológica forte e plausível, autoexplicativa. A caracterização "subjetiva" que Shelley faz das outras pessoas permite um raciocínio lógico das personalidades das mesmas, mas deixa ofuscada a própria personalidade de Shelley, tornando-a mais imprevisível que os demais.
A caracterização das personagens também é gradual, então o leitor parte de um desconhecimento total acerca das personagens, familiarizando-se e se afeiçoando às mesmas, ora por piedade, ora por simpatia. Esse laço entre leitor e protagonistas é crucial para o efeito que a narrativa pretende produzir.
Coerência entre espaço, tempo e personagens
É uma tríade forte como titânio. Todas partem do zero e vão acentuando-se gradativamente e à mesma velocidade, produzindo o efeito eletrizante e lento a que o livro se propõe. Os três são pilares extremamente fortes e desenvolvidos, passíveis de sustentar pesados e caprichados enredos.
Enredo
A narrativa brinca com os valores dos humanos em relação aos outros nos âmbitos morais (teoria) e a realidade prática. Essa discussão implícita se opera também no leitor. A afeição produzida pelo enredo entre personagens e leitor fará com que este perdoe os erros cometidos por aqueles, mesmo que isto fira os preceitos morais a que se segue e que tanto se propaga?
Em tempos de preconceitos velados e hipocrisia ("politicamente correto"), essa brincadeira com a mente das personagens e, por conseguinte, com a mente do leitor, é muito interessante por seu caráter inovador e chocante.
Os laços afetivos que unem as personagens são outro ponto de destaque no enredo. Com poucas referências a relacionamentos amorosos (vagas alusões acerca do casamento, mas nenhuma referência direta ao amor conjugal), as atitudes e efeitos que as ações acarretam entre mãe e filha são muito inesperados, surpreendentes e, de certo modo, muito mais tenebrosos, pois a relação entre uma mãe e seus filhos tende a ser mais profunda. Existem ex-marido, ex-namorado e até ex-paquera, mas não existe ex-mãe. É um laço eterno e que, se for contaminado com algo abominável, não poderá ser eliminado. Intoxicará ambos até que drenem a substância (resolvam seus conflitos) ou morram envenenados.
É um enredo tão gradual que permite ao leitor sentir-se dentro da história como o diretor de uma peça ou de um filme. É como se fosse a consciência adormecida de Shelley que tivesse despertado e estivesse se inteirando do que lhe acontecera nos últimos tempos. Portanto, não é um amigo ou um diário. Aparenta-se realmente estar dentro da mente de Shelley, ouvindo sua reflexão (diferentemente da maioria dos livros narrados em primeira pessoa, em que as personagens limitam-se a ordenar fatos cronologicamente e relacioná-los às suas sensações no momento em que ocorreram). O leitor é tragado pelas sensações de Shelley como se as vivesse em outro corpo, outra alma.
De modo algum é algo medonho, mas forma um bom nó na cabeça. Que lado escolher: Os princípios ou a vida? Parece uma pergunta retórica aqui; no enredo, porém, será bem mais difícil de respondê-la.
Capa e Sinopse
(Não coloquei a sinopse do skoob e da orelha do livro justamente por achar que, se o leitor partir apenas da sinopse da contra-capa, aproveitará ao máximo a história. O desconhecimento quase total da narrativa é um dos fatores que tornam este thriller tão interessante, pois possibilita a afeição e entendimento graduais entre leitor, personagens e espaço-tempo).
Analisá-las em conjunto é o mais lógico a se fazer, pois possuem uma rica harmonia.
A sinopse é simples em quantidade de palavras, mas poderosa em criar expectativa e curiosidade que o leitor pretenderá sanar.
A capa também é simples, com a aparência estática de uma fotografia, mas também produz curiosidade pelo buraco do rato e o sangue no carpete...
Estrutura física
O material de capa é agradável ao toque e ao manuseio; por ser mais amolecido, tende a amassar e marcar com facilidade, mas permite que a lombada seja aberta de forma adequada (o que é um fator preponderante).
O amarelo das folhas reduz a intensidade da luz refletida, cansando menos a vista. As letras tem bom tamanho e a diagramação é bem feita. O cheiro das páginas não é perfumado nem ofensivo ao olfato.
Quanto a aspectos gramaticais, não há nenhum erro de concordância, regência ou pontuação. Até o aspecto do suspense do livro foi mantido com louvor. Tradução e revisão foram muito bem feitas.
Gostou da obra?
Eu simplesmente adorei! É uma grande obra, tenho certeza. A confusão que este livro fez em minha cabeça... Não posso descrever. Tenho certeza de que todos os dias Gordon Reece se levanta e ri da humanidade, de como ela é tola e arrogante em sua mediocridade.
Eu me senti dentro do redemoinho de ações e pensamentos de Shelley. Eu me pegava pensando o que faria no lugar dela, como me sentiria. Eu me perguntava se achava certo o que ela estava fazendo. Eu torcia para que ela e a mãe ficassem bem no final - coisa que eu não deveria fazer e vocês entenderão o porquê se lerem. Eu briguei com todas as minhas crenças... Um lado ficou genuinamente satisfeito com o final... Outro, ao menos se incomodou bastante. As agulhadas que o livro me fez sentir ainda são perceptíveis e eu consegui sair daquele labirinto tenebroso que era a mente de Shelley não sem pagar um preço.
É um livro excelente, de fazer ofegar até os mais céticos.
Avaliação
- Enredo: 10
- Capa: 10
- Caracterização das personagens e entrosamento entre as mesmas: 10
- Caracterização do tempo e espaço e coerência entre os mesmos: 10
- Aspectos gramaticais: 10
- Estrutura física: 10
- Sinopse (da contra-capa): 10
Nota: 10
Recomendações
É necessário dizer alguma coisa? Recomendado a todos; os que têm estômago fraco ou cabeça imatura, porém, pensem duas vezes...
Veja mais em: http://seismilenios.blogspot.com/2011/10/resenha-ratos-gordon-reece.html