lucasfrk 01/04/2024
A menina dos olhos de ouro ? comentário
?Um dos espetáculos que reúne o que há de mais assustador é certamente o aspecto geral da população parisiense, povo horrível de se ver, macilento, amarelo, com a pele curtida. Paris não é um campo vasto incessantemente varrido por uma tempestade de interesses na qual redemoinha uma seara de homens ceifados pela morte mais freqüentemente do que em outros lugares e que renascem tão oprimidos como antes? Homens cujos rostos marcados, torcidos, exalam por todos os poros o espírito, os desejos, os venenos que enchem os seus cérebros; não são rostos, mas máscaras: máscaras de fraqueza, máscaras de força, máscaras de alegria, máscaras de hipocrisia; todas elas extenuadas, todas marcadas por sinais inapagáveis de uma ofegante avidez.? (p. 23)
A menina dos olhos de ouro (1835) é a terceira parte da História dos Treze, trilogia informal escrita por Honoré de Balzac cujo elo é uma sociedade secreta de inspiração maçônica. Balzac compõe uma atmosfera soturna, imbuída de fatalismo, e emprega seu estilo altamente descritivo. O autor descreve o entrelaçamente entre paixão e decadência, atribuindo à capital francesa um caráter profano ? chegando a equipará-la a um dos círculos infernais descritos por Dante Alighieri. Neste lugar, as mulheres como Paquita Valdes são condenadas a viver à mercê de homens como o conde De Marsay, que as enxergam como meros desafios, ávidas conquistas que servem apenas para afagar seus próprios egos. Embora falte à Balzac uma melhor compreensão do feminino, seu tratamento a respeito do lesbianismo é bem ousado. Por fim, Balzac, este prolífico escritor francês, de notáveis observações psicológicas, procura retratar todos os níveis da sociedade francesa da época, particularmente a burguesia crescente na Restauração francesa, fornecendo um magnífico panorama de Paris. Balzac é tão hábil em sua escrita, que tenta rivalizar com um grande pintor de sua época, Eugène Delacroix, por quem dedica o livro, conseguindo ressoar a dramaticidade e a intensidade emocional das cenas que o pintor romântico compunha ? a cena de Paquita no teatro, que ecoa as odaliscas de Delacroix; ou mesmo a cena fatal de Paquita, onde é imprimida nas páginas a tela mais famosa do pintor, A Liberdade guiando o povo (1830) ?, demonstrando o fascínio do escritor pelo romantismo e por uma estética da decadência humana (ainda que moralizante).
?Sem as tavernas, o governo não seria derrubado todas as terças-feiras? Felizmente, na terça-feira, esse povo estentorpecido, digere o seu prazer, não tem um tostão, e volta ao trabalho, ao pão seco, estimulado por uma necessidade de procriação material que, para ele, torna-se um hábito. (p. 23)
?Chegamos então ao terceiro ciclo desse inferno, que um dia talvez terá o seu Dante. Nesse terceiro ciclo social, espécie de estômago parisiense, onde se digerem os interesses da cidade e onde se condensam sob a forma dos ditos negócios.? (p. 29)