Ednelson 13/09/2013
A Literatura Fantástica está em alta, a sua produção e consumo parecem só aumentar atualmente no Brasil. Por um lado, isso traz a felicidade para os admiradores do gênero, e pelo outro lado, torna ainda mais hercúleo o esforço para qualquer pessoa que queira produzir um texto que se destaque nesse meio cultural. Quando falo em destaque, não me refiro à popularidade do livro ou autor, mas ao quanto ele se diferencia dos livros contemporâneos que usam os mesmos fundamentos e consegue imprimir uma sensação de leitura singular em quem adentra as suas páginas. A Guerra dos Criativos foi um convite enviado por Alec Silva, pseudônimo do jovem escritor Alex Silva, mas será que a jornada foi prazerosa? Continuem lendo a minha análise e descubram...
A primeira característica que me chamou a atenção na história foi o autor se fazer personagem, neste caso, protagonista. É ele quem nos narra a sua aventura, após ser surpreendido por uma súbita convocação para uma guerra onde a imaginação é o principal instrumento nos embates bélicos. Apesar dessa transição abrupta do mundo banal para um mundo maravilhoso, a verossimilhança se mantém devido ao jogo que inicialmente o narrador faz colocando em dúvida a autenticidade das experiências que vive, tendo em consideração que ele vai para o mundo fantástico ao adormecer. Depois de algumas páginas, a ambiguidade é deixada de lado e só retomada no epílogo.
Indo além de um relato por um olhar subjetivo, o romance se torna acentuadamente introspectivo devido às digressões acerca da vida comum do personagem principal que interceptam a trama de cenários e personagens encantadores, descritos sucintamente, alguns altamente surreais e simbólicos. As divagações são bem administradas e versam sobre questões com as quais o leitor facilmente se identificará ou pelo menos compreenderá (adolescência, amores perdidos, paixão por histórias fantásticas, obstáculos profissionais na carreira de escritores, amizade, a confecção da autobiografia isso mesmo, o escritor reflete sobre o seu ofício - entre outros). O que cativa em Alec, alguém que é mescla de ficção e realidade, afinal a intenção do livro é ser uma autobiografia fantástica, é como ele vai se expondo na medida em que conhece os seus companheiros e companheiras de jornada e enfrenta os desafios. Ele não se configura como um herói asséptico, dono de uma virtuosidade inabalável, mas sim como um anti-herói que, mesmo sendo portador de inúmeras falhas, esforça-se em fazer aquilo que acha justo e proteger a quem ama. Uma autobiografia fantástica de um anti-herói, essa é uma ideia distinta dentro de todas as propostas que vejo na literatura fantástica brasileira na atualidade quando falamos em romances. Sendo completamente franco.
O que a princípio poderia ser apenas uma série de eventos turbulentos em que alguns personagens tentariam salvar um mundo enquanto outros buscariam destruí-lo, um maniqueísmo clichê e que corre o sério risco de ser cansativo, transforma-se em uma trilha onde os personagens, principalmente Alec (o anti-herói), devem reunir cada fio de força, coragem e determinação a fim de ascenderem à superação. Nos instantes mais tensos, é como se realmente estivesse fazendo parte do grupo em provação. Foi difícil não rememorar coisas passadas que até hoje ainda me causam algum desconforto. Como vocês podem perceber pelo meu comentário, a obra consegue criar empatia no leitor, outro ponto positivo para o trabalho de Silva.
A maturidade da escrita sobre a qual me debrucei é palpável em como a fantasia não constitui uma válvula de escape, ideia muito usada por quem aprecia criticar a literatura fantástica, mas sim um meio de tratar certos demônios, nos aproximando paulatinamente deles até abordá-los. Talvez sem querer, o escritor, buscando uma catarse particular, também possibilita esse alívio a quem por ventura o deseje.
Todavia, devo mencionar uma irregularidade grave que constatei: o elevado número de erros de revisão. Pela edição ser independente, não desmerecendo o autor que fez a revisão da própria obra, já esperava esse problema. A questão, segundo o que percebo, é que o distanciamento emotivo entre revisor e texto é imprescindível para um bom resultado, pressupondo também que o profissional é alguém com uma formação/experiência adequada. Digo isso porque é normal que o escritor esteja tão envolvido com o seu rebento literário a ponto de deixar passar alguns deslizes que se encontram na superfície (ortográfica).
As batalhas não são o cerne de A Guerra dos Criativos, para não dizer o menos importante, ao menos é o que fica subentendido pela forte carga psicológica da trama. Portanto, os combates, exceto o final, são descritos somente no essencial para que possamos formar uma imagem das coisas. O desfecho não decepciona tanto no que se refere à adrenalina, com um ritmo rápido e pungente, quanto às surpresas. O apêndice, depois do epílogo, apesar de ser um excerto desvinculado do último capítulo (cronologicamente independente), traz uma nova compreensão do final e funciona como um espaço para que possamos nos despedir dessa aventura, assim como os créditos finais de um filme excelente que necessitamos ver até o último nome para digerirmos com paciência o que foi apreciado. Como algumas pessoas reais (escritores) e suas criações inspiraram personagens do romance, o leitor é instigado a conhecer outros livros/autores. Obras que promovem esse movimento contínuo, leitura que puxa outras leituras, merecem congratulações. Independente dos gêneros das histórias e outras coisas, a literatura é antes de qualquer coisa uma paixão, um sentimento que quanto mais for regado, mais crescerá. O estudo teórico da Literatura é a consequência de um amor florescido, sem essa flor, os estudos serão insossos.
Os capítulos são curtos, com cerca de cinco páginas cada, e ora deixam algum gancho para o próximo ora apostam na fluidez da narração para manter o leitor atraído. Recomendo o livro para qualquer pessoa que goste de Literatura Fantástica.