Cármen 21/03/2012Efeito cacaos[i]..."deixou sua terra natal, aquele pequeno mundo de cidade do interior, para ir buscar novos horizontes no progresso alucinado do Sul do país. Havia deixado seus quinze anos para trás, guardados na casa de seus pais, na rua onde havia crescido, na cidade onde havia nascido. O que viesse por agora guardaria em sua mochila pendurada em seu ombro. Ganhou a estrada,..."[/i]
A história é narrada em terceira pessoa, através dos lembranças, de um jovem personagem de quem não sabemos muito, apenas que saiu de sua cidade natal em busca do futuro, mas que, ao retornar ao lar, encontra-se em meio a turbulentos eventos, numa situação limítrofe e catastrófica, na qual tem que lutar pela sua sobrevivência física e psicológica.
O narrador de Efeito cacaos dá-nos a conhecer de si e da alma humana durante a situação de conflito extremo que enfrenta em seu retorno à casa paterna. Questões como: somos capazes de ajudar ao próximo ou salvamos a pele primeiro? vinganças, valorização das heranças culturais, necessidade de preservação do meio-ambiente, supervalorização de bens materiais, corrupção, solidariedade, esperança e os rumos atuais da Humanidade são reflexões colocadas ao leitor que acompanhar a narrativa ágil e quase cinematográfica de Ulisses. As cenas passam-se diante de nossos olhos como num filme que alterna luz e sombra a um só tempo.
O espaço -físico- urbano (do presente caótico e destruído) é colocado como que numa antítese em relação ao meio rural -psicológico- que o jovem narrador apresenta através de seus sonhos, lembranças do passado perdido para sempre. Sua viagem de retorno será cheia de questionamentos e amadurecimento.
A valorização de temáticas brasileiras, como ocorre em Efeito cacaos, para desenvolver narrativas de ficção e aventura vem tornando-se, felizmente, uma crescente na literatura produzida por jovens escritores. Este segmento tem ganho espaço e destaque (não só na blogosfera como também nas livrarias) e um número significativo de leitores/seguidores igualmente jovens, a tal ponto que quase me atrevo a discordar das pesquisas que indicam que o jovem brasileiro não tem o hábito da leitura. Talvez as pesquisas devessem ser orientadas no sentido averiguar "o quê" está sendo lido, ao invés de utilizar como baliza obras consideradas clássicas que a maioria de nós (mais antiguinhos-rsrs) aprendemos a valorizar tanto. Além do mais, Ulisses Góes é um criador de frases poéticas ao longo de sua narrativa, mesmo quando descreve um cenário de devastação:
"O céu estava chorando cinzas. Parecia estar chorando
restos de vida que sumiram de repente."(pág. 36, no e-book).
Com certeza, um autor que utiliza uma linguagem acessível para abordar temas importantes e profundos da sociedade não passará despercebido: "Ao que parece, o mundo em que vivemos hoje respira seus últimos momentos de agonia profunda." - reflete o narrador, a certa altura, e a sua juventude só faz mostrar que os problemas criados pelas gerações passadas só poderão ser resolvidos através da conscientização, no presente, daqueles que tomarão as decisões num futuro não muito distante sem cometer os mesmos erros.
Ressalto algumas frases que me chamaram atenção para refletir:
"Cadeia não reabilita ninguém, serve apenas para segurar os criminosos".(pág. 136)
"Olhe ao seu redor. Hoje as pessoas não vivem. Elas tentam sobreviver, diante de tanta falta de perspectiva. Como ter alguma perspectiva diante de um Governo que não nos dá certeza do que realmente acontece dentro das esferas do poder?"(pág. 41 )
"O homem se perdeu dentro dos complexos sistemas que ele próprio criou.(pág. 42)
E muito mais poderia eu ressaltar aqui, mas o melhor mesmo é que confiram, vale a pena e tirem suas próprias conclusões.
Cármen Machado.
http://ideiasdecanario.blogspot.com.br/2012/03/efeito-cacaos.html