Liar1 05/07/2024
Página 23
Assim tampouco "estar consciente" é o oposto em qualquer sentido decisivo ao que é instintivo - a maior parte do pensamento consciente de um filósofo é secretamente guiada e compelida a determinados rumos pelos seus instintos.
Página 24
Admitir a inverdade como condição da vida: isso significa, sem dúvida, opor-se de uma maneira perigosa aos sentimentos de valor habituais; e uma filosofia que ousa isso apenas por fazê-lo já se coloca além do bem e do mal.
Página 27
No filósofo não há absolutamente nada de impessoal; e sua moral, em especial, dá um decidido e decisivo testemunho de quem ele é - quer dizer, em que hierarquia os mais íntimos impulsos de sua natureza estão colocados uns em relação aos outros.
Páginas 39
Numa teoria, não é realmente o menor de seus atrativos o fato de ela ser refutável: precisamente com isso ela atrai mentes mais sutis.
Página 46
Nós partimos diretamente rumo à moral, e nisso nós esmagamos, nós reduzimos a pó, talvez, nosso próprio resto de moralidade.
Página 48
Como soubemos, desde o início, conservar nossa ignorância a fim de gozar uma liberdade, uma irreflexão, uma imprudência, um destemor, uma jovialidade da vida dificilmente compreensíveis, a fim de gozar da vida!
Página 55
Nossas compreensões mais elevadas precisam - e devem! - soar como tolices, às vezes como crimes, quando chegam ilicitamente aos ouvidos daqueles que não são feitos e predestinados para elas.
Página 56
Livros para todo mundo são sempre livros malcheirosos: o odor da gentinha gruda-se neles. Ali onde o povo come e bebe, mesmo ali onde ele venera, ali costuma feder. Não se deve frequentar igrejas caso se queira respirar ar puro.
Página 57
Nessa transição, ela pune a si própria através da desconfiança para com seus sentimentos; tortura seu entusiasmo através da dúvida, até já sente a boa consciência como um perigo, uma autodissimulação e um cansaço da honestidade mais sutil, por assim dizer; e, sobretudo, toma partido, e partido por princípio, contra "a juventude". - Uma década depois: e se compreende que mesmo tudo isso ainda - era juventude!
Página 58
Um sinal, que significa coisas demais e, por conseguinte, não significa quase nada por si mesmo.
Página 60
Com toda a seriedade: a inocência dos pensadores tem algo de tocante e que inspira respeito, o que lhes permite ainda hoje postar-se diante da consciência com o pedido de que lhes de respostas honestas.
Página 64
Algo poderia ser verdadeiro: ainda que fosse prejudicial e perigoso em grau máximo; poderia até mesmo ser parte da constituição fundamental da existência que o seu conhecimento completo levasse a ruína.
Página 66
Em torno de todo espírito profundo cresce continuamente uma máscara, graças a interpretação constantemente falsa, ou seja, rasa, de cada palavra, cada passo, cada sinal de vida que ele dá.
Não permanecer preso a uma pessoa: ainda que seja a mais amada - toda pessoa é uma prisão, e também um recanto.
Não permanecer presos às nossas próprias virtudes e nos tornarmos, como um todo, vítimas de alguma particularidade nossa.
Página 73
A fé cristã é sacrifício desde o princípio: sacrifício de toda a liberdade, de todo orgulho, de toda autoconfiança do espírito; ao mesmo tempo, servilização e autoescárnio, automutilação.
Página 79
Por que ateísmo hoje? Parece-me que precisamente o instinto religioso cresce com vigor - mas que ele recusa justamente a satisfação teísta com profunda desconfiança.
Página 81
Então, na época moral da humanidade, se sacrificavam ao seu Deus os instintos mais fortes que se possuía, sua "natureza". Por fim: o que ainda restava para sacrificar? Sacrificar Deus ao nada - esse mistério paradoxal da crueldade extrema permanece reservado para a geração que agora surge: todos nós já conhecemos algo disto.
Página 85
É o profundo e desconfiado temor a um pessimismo incurável que impele milênios inteiros a se aferrar com unhas e dentes a uma interpretação religiosa da existência: o temor desse instinto que suspeita que se poderia entrar na posse da verdade muito cedo, antes que o homem tenha se tornado forte o bastante, duro o bastante, artista o bastante...
Página 95
Quem, pela sua boa reputação, não sacrificou alguma vez - a si próprio? -
Página 96
Envergonhar-se de sua imoralidade: eis um degrau da escada em cujo fim as pessoas acabam por se envergonhar também de sua moralidade.
Página 97
Não há quaisquer fenômenos morais, mas apenas uma interpretação moral de fenômenos.
Página 103
Quem luta com monstros, que se cuide para não se tornar um monstro ao fazê-lo. E se olhas por longo tempo para dentro de um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.
Página 104
A loucura é algo raro em indivíduos - mas em grupos, partidos, povos e épocas, a regra.
Página 106
Ama-se por fim seus desejos, e não o desejado.
Página 114
Esse modo de inferir cheira a plebe, que na ação ruim enxerga apenas as consequências desagradáveis, e na verdade julga que "é estúpido agir mal"; enquanto ela toma sem maiores dificuldades "bom" e "útil e agradável" por idênticos.
Página 119
Os pais involuntariamente fazem da criança algo semelhante a eles - chamam a isso de "educação". E do mesmo modo que o pai, assim também o professor, a classe, o sacerdote e o príncipe veem ainda hoje em cada novo ser humano uma ocasião indubitável de novas posses.
Página 155
O julgamento e a condenação morais constituem a vingança preferida dos espiritualmente limitados contra aqueles que o são menos.
Página 158
Mas não se deve ter lá muita razão quando se quer ter aqueles que riem do seu lado; uma pitada de falta de razão pertence inclusive ao bom gosto.
Página 172
Cedo encontramos certas soluções de problemas, as quais se tornam, justamente para nós, crenças firmes; talvez as chamemos daí por diante de nossas "convicções". Mais tarde - vemos nelas apenas pegadas rumo ao autoconhecimento, indicações para o problema que somos - mais precisamente, para a grande tolice que somos, para a nossa fatalidade espiritual, para o ineducável bem "lá embaixo".
Página 224
A história da linguagem é a história de um processo de abreviação; graças a esse rápido entendimento é que as pessoas se unem de modo mais estreito e sempre mais estreito.
Página 237
Um filósofo: ah, um ser que com frequência foge de si, com frequência teme a si - mas que é por demais curioso para não "voltar a si" sempre outra vez...