spoiler visualizarItalo 23/10/2022
Olhai os lírios do campo
Olhai os lírios do campo é um dos romances mais conhecidos de Érico Veríssimo, escrito em 1938, e seu título é baseado num trecho do Sermão da Montanha. O livro é dividido em duas partes, a primeira bem movimentada e, digamos, colérica, já a segunda é bem mais amena e, digamos também, plástica. Não acho que tenha sido uma leitura ruim, mas foi decepcionante. Eugênio é o personagem mais humano da história, mas nenhuma de suas ações realmente causa algum tipo de reação no leitor, já Olívia é uma personagem vazia, extremamente bondosa e biblicamente submissa, dá-se quase que completamente ao seu amor, e é dela que lemos cartas que, muito mais de uma vez, têm um conteúdo cristão tão bobo e a leitura passa a flertar com uma espécie de evangelização ruim. Contudo, é na tematização do fascismo e do nazismo que encontramos as piores partes do livro, pois é toda rasa e cínica: há um personagem que, a meu ver, deveria representar a proliferação dos pensamentos fascista e antissemita no imaginário da elite brasileira, mas ele é tão caricato a ponto de dizer algo do tipo "comigo mesmo é com o fascismo"; o personagem principal refere-se a outro personagem --- este, judeu, que está sofrendo com o genocídio de seu povo e com a perseguição em vários ambientes --- como alguém que "só vê o pior e se vitimiza por isso" e, num diálogo em que revela uma hostilização que sofrera na universidade, é respondido por Eugênio e lemos que aquilo "foi um caso isolado, pois este tipo de pensamento não existe no Brasil, basta ver a questão dos negros"... Não sei dizer se Eugênio foi construído propositalmente assim, mas me parece que a sua voz se confunde com a do autor. No mais, o encerramento da história conta com uma espécie de redenção e ficamos com a mensagem extremamente revolucionária de que a "gentileza pode transformar o mundo" ou algo assim --- aliás, a visão socialista/comunista é tratada duma forma tão insípida. Há também a questão da escrita, que é muito boa, mas contém umas construções típicas portuguesas que são um tanto alheias aos brasileiros, então lemos frequentemente redundâncias do tipo "ela viu-se a si mesma no espelho" ou "ele disse-lhe a ele".