Tiago 16/07/2022
Uma bela história
Este livro foi a minha primeira experiência com Erico Veríssimo e meu primeiro romance de um escritor Rio Grande do Sul. O meu único ponto de contacto com a literatura sulista tinha sido através das crônicas de Luis Fernando Veríssimo, filho do Erico. É curioso como a literatura do sul do Brasil é "isolada" do resto do país. Eu sou do Rio de Janeiro e na escola tive acesso a obras de escritores do sudeste (Machado de Assis, Lima Barreto, Guimarães Rosa, etc), nordeste (Graciliano Ramos, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, etc).
Sobre o livro o que eu posso dizer é já começo discordando do prefácio escrito pelo Erico Veríssimo. Acho que ele exagerou bastante na autocrítica. Gostei bastante do livro e a história, apesar de em certos pontos ter um "vibe" de telenovela, conseguiu me cativar como leitor.
O livro é centrado no personagem do Dr. Eugênio Fontes, um médico relativamente bem conectado dentro da alta sociedade gaúcha graças ao seu casamento. A história começa com ele recebendo uma ligação do hospital onde está internada Olívia, seu verdadeiro amor da vida, a beira da morte. Eugênio, infeliz no casamento, sai em disparada para tentar ver Olívia pela última vez.
O livro tem duas partes distintas. Na primeira, temos a viagem de Eugênio para tentar se reunir com Olívia. Durante esta viagem somos apresentados às suas lembranças da sua infância/juventude/inicio da vida adulta miserável. O que eu posso dizer desta parte? Eugênio mostra-se um personagem completamente detestável, com um dom para o vitimismo que acredito nunca ter visto. O complexo de inferioridade de Eugênio é de deixar qualquer leitor se sentindo o "maior da aldeia". Eugênio, raso como um pires, tinha vergonha da família, queria sair daquele ambiente de pobreza, encontrar um mulher rica e da alta sociedade para casar. Durante o seu estudo de medicina conhece Olívia e ambos se apaixonam. Os caminhos dos dois acabam tomando rumos diferentes. Olívia vai para uma colônia de imigrantes italianos e Eugênio conhece Eunice, o arquétipo de esposa que ele idealizava (rica e influente). O casamento, como esperado, não funciona. Por outro lado, Olívia descobre-se grávida de Eugênio e dá a luz Anamaria. Eugênio, mais uma vez, não faz nenhum favor para a sua reputação junto ao leitor e é o típico pai distante. A primeira parte termina quando Eugênio, ao chegar ao hospital, recebe a notícia de que Olívia havia falecido.
A segunda parte do livro, a melhor na minha opinião, volta ao tempo presente. Eugênio recebe as inúmeras cartas que Olívia lhe escreveu mas nunca enviou e ao ter um contacto maior com Anamaria parece que "vira um chave" dentro dele. A segunda parte pode ser vista como a descoberta do verdadeiro sentido da vida para Eugênio. Erico Verissimo pode ter considerado, na sua autocrítica, que esta parte pode ter sido dramática e/ou filosófica demais. Eu, pelo contrário, achei a dose adequada. Acho que o distanciamento de Olívia torna as suas cartas plausíveis e a convivência de Eugênio junto a uma alta sociedade bastante superficial de Porto Alegre torna o seu "despertar" também plausível. Aqui vejo uma ligeira semelhança entre Eugênio e o Liévin do Anna Kariênina. Ambos ficam pensando e filosofando a respeito do sentido da vida. Algumas vezes resvala na filosofia barata, é verdade, mas, como disse antes, achei plausível diante da forma como a história se desenvolveu. Devemos notar que o narrador da história é claramente simpático a Eugênio e pode ter achado que esse floreado/drama a mais iria "ajudar a causa" de Eugênio junto ao leitor.
O livro tem vários personagens secundários fascinantes (Florismal, o Dr. Seixas e vários pacientes de Eugênio) e também retrata o ambiente no Brasil na época (revolução de 1930, quando Getúlio Vargas assumiu o poder e o período pré-segunda guerra mundial). . Eu dou 3 estrelas a primeira parte, 4 estrelas a segunda e arredondo para cima a minha avaliação.
Gostei da leitura e, sem dúvida, vou ler outras obras do Erico Veríssimo.