Juh Lira 15/07/2011"Olhai os Lírios do Campo" Olhai a Vida...Para essas e outras resenhas, acesse: www.silentmyworld.blogspot.com
“Olhai os lírios do campo: eles não tecem nem fiam, mas nem Salomão com toda a sua glória se vestia como um deles”
1ª Parte
A obra em si é muita complexa, e se destrinchada, dela se é possível fazer mil resenhas e debates de tantos assuntos que são abordados na trama de cunho tão atual.
“Olhai os Lírios do Campo” que tem como enfoque a trajetória de Eugênio Fontes em sua busca por si mesmo, e é divido em duas grandes partes.
Na primeira parte, temos Eugênio correndo contra o relógio para ver Olívia uma última vez e nesse meio tempo, ele se recorda de seu passado, e sua infância infeliz e pobre.
Eugênio nessa primeira parte demonstra ser alguém com uma personalidade deturpada pelo senso de autocrítica, pela falta de confiança em si mesmo e pelo senso de inferioridade, tudo isso por ele mesmo idealizado. O autor vai trabalhando uma narração completamente fincada no interior da personagem, como se estivesse lendo a sua alma, onde pensamentos e emoções de Eugênio são misturados com os fatos exteriores.
Eugênio a meu ver mostra ser mesquinho, e puramente materialista, num ideário capitalista nojento de riqueza sem valor e repúdio a pobreza, sendo que ele mesmo possuía uma alma miserável e um caráter pior ainda. Não estou dizendo que ele é mau. Não. Eugênio na primeira parte do romance é um homem sem qualquer sensibilidade humana ou até mesmo moral, se é possível dizer isso.
Nesse definhar de personalidade, o autor nos apresenta Olívia, jovem colega da faculdade de medicina, totalmente oposta a Eugênio. O desenvolvimento do relacionamento dos dois deixa muitas dúvidas ao leitor, porque a impressão que eu tive é que o autor meio que “escondeu” alguns fatos. Digamos que ele deixou o leitor às escuras, devido na primeira parte a narração ter sido escrita em saltos, pulando fatos e indo para as cenas cruciais. Não gostei em referência a Olívia, pois sua aparição foi muito, muito pouca, numa perspectiva totalmente centrada em Eugênio. Outro fato também que conta pontos negativos é logo no início do romance em que não dá para saber o que aconteceu com Olívia. O autor não dá muitas explicações, pelo menos não alguma que eu tenha entendido. Não sei, pode ter sido um descuido de minha parte na hora da leitura, por mais estúpido que possa ser...
Falando em Olívia nesta primeira parte, ela demonstra ser compreensiva demais com Eugênio e suas burradas, com uma imensa sabedoria e mistério em torno de sua vida e passado. Olívia deixou sua alma nas cartas para Eugênio, cruciais para a segunda parte.
2ª Parte
Temos na segunda parte Eugênio em conflito e indeciso em relação ao seu futuro e da filha que Olívia deixou Anamaria. É irônico como Eugênio, mesmo casado com a filha de um rico industrialista, Eunice Cintra, uma personagem muito interessante, continua no mesmo patamar de inferioridade.
Eunice assim como Acélio Castanho, jovens intelectuais, tinham uma preocupação inútil em relação às idéias modernas da época. Estamos falando de um período em que o movimento Modernista estava fincando suas raízes, já na metade da década de 30. Há um capítulo muito interessante em que há um debate sobre a arte e a sociedade moderna e arte e a sociedade conservadora. É incrível a visão tão materialista e egoísta desses personagens, mais na questão do Acélio. Eunice vai por em prática essa visão egoísta na recusa de ser mãe e na humilhação a Eugênio, como ela própria diz que ele não passa de um experimento científico “freudiano”. É a consequência da modernização que eles tanto abominavam. Os dois não são seres humanos de fato, na questão de olhar o mundo como seres humanos para seres humanos, não como meros animais e eles dois como seres superiores. Máquinas. Essa passagem é muito boa e vale à pena relê-la, se encontram nas páginas 156 em diante.
O ideal capitalista de Eugênio vai morrendo aos poucos e finalmente ele vai renascer como ser humano que se compadece das misérias da humanidade, que se preocupa com o bem. O autor juntamente com Eugênio vai filosofando sobre os problemas sociais do mundo moderno, misturados aos sonhos de uma sociedade que ofereça uma vida melhor a todos.
Todo esse ideal humanista pode ser resumido nas palavras da própria Olívia:
“No dia que achei a Deus, encontrei a paz e ao mesmo tempo percebi que de certa maneira não haveria mais paz para mim. Descobri que a paz interior só se conquista com o sacrifício da paz exterior. Era preciso fazer alguma coisa pelos outros. O mundo está cheio de sofrimento, de gritos de socorro. Que tinha feito eu então para diminuir esses sofrimento e atender esses apelos?”
O mais misterioso de tudo isso é que Eugênio não sabia de nada sobre o passado de Olívia. E o leitor menos ainda. Olívia acaba por se transformar num personagem mais idealizado do que real, quase como se Eugênio simplesmente a tivesse imaginado... “Perfeita” demais, se é que podemos dizer isso. Aí eu me peguei perguntando: Será que Olívia de fato existiu? Ou será que ela foi um anjo enviado para “salvar” Eugênio de si mesmo?
Tá parece absurdo o que eu disse, na verdade é absurdo, mas quem garante?
O livro termina cheio de perguntas não respondidas e de fatos incompletos, o que deixa o leitor intrigado.
É fato, caros leitores, que “Olhai os Lírios do Campo” mostra dois lados da humanidade: os que pisam e fazem os outros sofrerem e os que tentam ajudar como podem os que sofrem. Um exemplo seria o engenheiro Felipe Lobo, amigo da família Cintra, que preferiu cuidar com zelo de seu prédio cheio de ferro monstruoso, do que da própria filha.
A obra deixa uma grande mensagem de coragem e amor para quem lê. A visão inocente mais cheia de sabedoria de Eugênio e de Olívia sempre foi minha esperança para o mundo. Eugênio conseguiu encontrar a si mesmo, pois só assim poderemos ajudar ao próximo. Quantos no mundo de hoje que precisam se encontrar?
“Olhai os Lírios do Campo" pode parecer piega e cheio de moralismo, mas tudo isso porque ele toca nas feridas da humanidade, em vários discursos filosóficos das personagens. Quem não gosta de pensar um pouquinho sobre a vida, eu recomendo não ler este livro. Se ao contrário, você gosta de destrinchar a vida, eu recomendo.
No fim, essa foi minha primeira leitura e escrevi as minhas primeiras impressões aqui. No futuro pretendo lê-lo novamente e claro a minha visão pode mudar ou não. É uma obra atemporal que deve ser lida nas fases importantes da vida.
Termino aqui, com outra passagem de Olívia que resume tudo o que eu escrevi.
“Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar deitados à espera de que tudo nos caia do céu. É indispensável trabalhar, pois num mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Precisamos entretanto, dar um sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao dinheiro, ao sucessos nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as estrelas do céu”