Mauricio (Vespeiro) 29/11/2017Um clássico que merece ser lido no original.É bom deixar claro logo de início que “A Volta do Parafuso” e “A Outra Volta do Parafuso” são títulos diferentes para traduções distintas de um mesmo livro, de Henry James, chamado “The Turn of The Screw”, originalmente escrito em 1898. Quando publicado no Brasil, algumas editoras optaram pela tradução literal do título original (sem o “Outra”) e outras preferiram fazer uma adaptação ao antigo dito popular americano que diz que quando uma situação tende a piorar, ela dará “outra volta no parafuso”, ou seja, em tradução livre, ficará mais “apertada”. E isso responde à repetida indagação acerca da razão do título do livro.
No Brasil foram publicadas várias traduções. Li duas: “A Volta do Parafuso” (Editora BestBolso), edição de 2015, tradução de João Gaspar Simões (pelo que pesquisei, feita em 1965) e “A Outra Volta do Parafuso (Editora Penguin Companhia)”, edição de 2011, tradução de Paulo Henriques Britto. Comparando apenas as que conheço, afirmo que esta segunda tem uma qualidade infinitamente melhor. Tão melhor que a nota final alterou sensivelmente, inclusive mudando a obra de categoria (de 3 para 4 estrelas). A edição da Penguin traz uma tradução muito mais rica, estudada, cuidadosa, com excelentes notas de rodapé e ainda nos brinda com um posfácio riquíssimo e elucidativo escrito pelo professor de literatura de Yale, David Bromwich.
Trata-se de um clássico da literatura mundial. Conta a história da filha de um pároco interiorano que inicia sua carreira como professora na cidade grande (Londres). Convidada a atuar como tutora de dois órfãos em Essex, numa bucólica propriedade um pouco mais afastada da cidade, ela se defronta com dois fantasmas de antigos funcionários. Imaginando que as crianças estão em risco, decide enfrentar o mal que habita aquela casa e procura desvendar o mistério no qual se envolveu.
O brilhante texto de Henry James convida o leitor a entender, segundo suas próprias convicções (e nada mais que isso), se as visões da tutora são sobrenaturais ou frutos de uma possível insanidade. O autor sabe criar com maestria um angustiante clima de suspense. Ele habilita o leitor a pensar no pior, sem entregar jamais em quê consistiria este medo e qual seu limite. Há mais de 100 anos este livro vem sendo discutido, gerando interpretações diversas e ao mesmo tempo excludentes. Não há uma conclusão; e é justamente aí que reside a genialidade do texto ambíguo de James. A estrutura narrativa me lembrou “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad. Em “A Volta do Parafuso”, o narrador principal está reproduzindo uma história que foi contada entre amigos por um segundo narrador e este, por sua vez, está lendo uma carta (esta, sim, o conteúdo do livro) escrita por aquela que seria a terceira narradora (e personagem principal da história).
Um provocante exercício é ler a história duas vezes (o livro é curto), na primeira aceitando a condição sobrenatural das aparições, na segunda já considerando desde o começo o desequilíbrio psicológico da tutora. Fiquei com a segunda hipótese e você?
Curiosidades: Foram feitas mais de 20 adaptações para o cinema. Algumas são reproduções literais, outras contam histórias baseadas na essência do original. A mais famosa chama-se “Os Inocentes” (1961), dirigido por Jack Clayton, com Deborah Kerr (hall da fama da Academia) no papel principal. Interessante é que no texto original, a tutora (ou preceptora, ou governanta, dependendo da tradução) não recebe nome, enquanto que em alguns filmes decidiu-se batizar a personagem (cada um com um nome diferente). Nesta adaptação, por exemplo, chama-se Miss Giddens. Apesar deste ser o mais conhecido, o primeiro filme (na verdade um episódio de uma série de suspense chamada “Startime”) veio dois anos antes, em 1959, trazendo o título original “A Volta do Parafuso”, dirigido por John Frankenheimer (de “Sob o Domínio do Mal” e “Sete Dias de Maio”) e estrelado por Ingrid Bergman (de “Casablanca”). Na ampla lista de adaptações inclui-se até uma nacional (e, talvez, a mais recente). “Através da Sombra” é de 2015 e foi dirigido por Walter Lima Jr. (de “Ele, o Boto”), com Virginia Cavendish no papel da tutora (que se chama Laura) e Domingos Montagner, num de seus últimos papéis.
Nota do livro:
A Volta do Parafuso (Editora BestBolso) - Edição de 2015 - Tradução de João Gaspar Simões = 6,88 (3 estrelas).
A Outra Volta do Parafuso (Editora Penguin Companhia) - Edição de 2011 - Tradução de Paulo Henriques Britto = 7,73 (4 estrelas).