A Utopia

A Utopia Thomas More




Resenhas - Utopia


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Isa S. 06/05/2013

Esse livro é tão fascinante que não tenho palavras. Desde a biografia do autor já fiquei encantada com o mesmo, e devorei o Livro Um em seguida, o Livro Dois mais ainda. Com certeza foi o melhor achado (sim, no acaso de uma praça) que eu pude ter e me fez fixar muito mais ideias e adquirir novas sobre concepções políticas e sociais.
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Reno Martins 10/12/2013

A exposição de um sonho

Um sonho sonhado, fique claro. Daqueles onde os anseios da alma sobrepõem a coerência e a coesão dos acontecimentos. More foi de uma crueza sincera ao batizar sua obra, coisa ignorada pelos mais ingênuos ou mais espertos, que pretendem tomá-la como realidade possível.

O primeiro alicerce do sonho é o postulado da abundância. O autor presenteia sua ilha com um volume ilimitado de recursos, obtido pelo trabalho agrícola obrigatório de seus cidadãos. Licenciado pela utopia, despreza a noção de produtividade dos fatores: se um hectare produz 1700kg de trigo, não vai produzir 100 vezes mais se for centuplicado o número de pessoas no campo. Esse pressuposto, desmontado pela própria natureza da realidade, faz ser irrelevante para os utopianos qualquer análise de custo-benefício. Se o trabalho diário de seis horas gera recursos exuberantes, os gastos podem sê-lo na mesma medida. Assim, o sonho permite que multidões de trabalhadores sejam transportados de um lugar para o outro, conforme a necessidade da produção, sem que qualquer gasto de logística ou infraestrutura seja considerado. Dentro do encantamento, o que era bom ficar melhor e a abundância se tornar superabundância.

Essa prosperidade fácil faz os utopianos pródigos com o fruto ilusório do seu trabalho. Eles não vacilam em pagar, sem cálculo, por qualquer coisa que necessitem: evitar guerras, subornar inimigos, regatar companheiros, obter ferro; sempre vendendo o que possuem a baixo preço, sem que nunca nada lhes falte. Lá, os homens estão isentos de exercer uma das mais comuns e difíceis ações intelectivas: decidir considerando o limite dos recursos disponíveis. Um paraíso, sem dúvida.

Mas, essa fartura quimérica não é a única coisa que seria cobrada do sonho pela realidade. Na ilha onde a propriedade é coletiva e não circula dinheiro, os bens comuns ficam disponível gratuitamente para todos, em armazéns comunitários. Seriam manufaturados pelos próprios cidadãos, conforme sua apetência, e sua abundância (ela novamente) impediria desperdícios pois "quem sabe que não irá faltar não se apressa em pegar desnecessariamente". More se licencia de explicar como os bens seriam produzidos na quantidade e variedade adequados. Se todos têm a prerrogativa de manufaturar o que lhe apetece e muitos gostarem de fazer sapatos, quem faria as outras coisas? Quem seria obrigado a deixar de produzir os prazerosos sapatos para se dedicar ao entediante, mas necessário, ofício de produzir chapéus? More subentende resolvido o espinhoso dilema humano de escolher entre o que se deseja e o que se necessita. Sem dinheiro ou propriedade, a única alternativa viável para sua Utopia são listas para saber o que falta, racionamentos para acessar os bens e tirania para determinar quem fará o trabalho que ninguém deseja. A revolta, para o bem da sociedade, é claro, seria punida com veemência, como mostra com fartura a história de todos os socialismos - generalizadores da propriedade coletiva.

Mas o sonho não sonha apenas no econômico. Ele também muda a própria natureza humana. Apenas em Utopia homens levam mulher e filhos para a vanguarda de guerra e isso os deixa mais aguerridos e concentrados no combate. Apenas em Utopia, os juízes julgam sem nunca terem conhecido o amor ou ódio. O desejo intenso de se manter no sonho, e só o fato de ser um sonho, permite que em Utopia convivam profundos paradoxos morais. Lá se ama toda a humanidade como irmã, sem se ressentir em pagar para que outros homens miseráveis de nações vizinhas sacrifiquem-se em combate. Lá se vangloria de evitar guerras a "qualquer custo", sem peso por promovê-la para "expandir-se para nações vizinhas que não sabem utilizar seus recursos naturais com sabedoria".

Essas características "exclusivas" de Utopia foram e são imitadas por utopianos da vida real, algumas nos sendo até bem familiares. Aqueles que querem trazer Utopia para o mundo, desprezando que não estamos numa fantasia onde só o que pensamos é possível; convertem o sonho de alguns no pesadelo de muitos. A fome é parida pelo sonho da abundância; a conduta nociva, pelo da moral superior; a tirania, pelo do ideal do bem comum. Infelizmente, isso é a Utopia na vida real. Claro que, na pura fantasia, também há algo de bom: a convivência de jovens e velhos, com o respeito devido a esses últimos; a tolerância, com a punição daqueles que a usam para solapá-la; a diminuição das leis, atentando para os incetivos que cada uma delas provoca...

Como saldo, avalio que o clássico tem muito mais aspectos para nos protegermos do que acatar. Duas estrelas, por toda inspiração e sofrimento que causou More, em seu fascinante pesadelo disfarçado de sonho.
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João Vitor Gallo 02/10/2014

Uma visão muito simples sobre um objetivo muito complicado
Um bom livro, apesar de ser muito simples e até deixa uma impressão de extrema artificialidade, levando em conta tipo de ser humano que não existe, mas que mesmo assim levanta bons questionamentos. Uma sociedade perfeita é construída por pessoas perfeitas e com meios de existência perfeitos, infelizmente o mundo em que vivemos é composto pela escassez e por seres nem de longe tão perfeitos. As sociedades se formam como tal para que um grupo de pessoas possa sobreviver as adversidades, o que se torna mais fácil em grupo, embora o convívio seja problemático por vezes, justamente pelo ser humano zelar pelo bem estar pessoal, e isso é um traço do puro instinto de sobrevivência e autopreservação. O livro me lembrou em algumas partes justamente uma distopia, Admirável mundo novo de Aldous Huxley, acho que foi pela artificialidade dos habitantes da ilha. Sociedades perfeitas, muitas delas em ilhas, justamente para colocá-las em um aspecto de isolamento, são muito comuns nos mitos antigos também, como Lemúria, Atlântida, Shangri-lá, Hy Brasil, e até o próprio Éden e todas elas eram colocadas como algo quase inatingível, é a morada dos valorosos, e por serem divinas, também não possuem os problemas que existem nas terras dos mortais, é um desejo humano que se apresenta desde já, mas na prática é algo praticamente inviável se analisado racionalmente e sem deixar as paixões transparecerem, mas não custa nada sonhar, embora eu tenha medo de utopias, elas são prometidas, mas em seu lugar geralmente é entregue uma distopia.


Em uma parte do livro aparece a frase : aquele que tem a certeza de que nada faltará jamais, não procurará possuir mais do que é preciso. Mas infelizmente, em nosso mundo a escassez sempre se fez presente, e principalmente com a atual superpopulação do planeta, mas isso também fez o ser humano buscar, não apenas pela imposição da força, mas também pela criatividade e pela inventividade, achar novos métodos de produção e obtenção de recursos. Infelizmente, não podemos ter a ideia de nada faltará jamais, e o planejamento para o futuro é algo que é necessário a qualquer sociedade, crises não acontecem apenas por ordem humana, embora essas não devem jamais serem ignoradas, mas também por parte de desastres naturais. Uma sociedade tão habituada com a abundância e tamanha ordem poderia se reerguer com facilidade em uma crise dessas, mas também poderia ser um caos e o fim dela, se não soubessem como viver com pouco, a crise une as pessoas, coloca o que há de melhor nelas para fora, como tantas vezes visto, mas também faz aflorar o oportunismo e outros sentimentos ruins nas pessoas, mesmo a sociedade sem esses sentimentos na população, poderia surgir em um momento desses. No livro todos são perfeitos, mas na realidade não somos, passamos longe disso.


Interessante também é a ideia do bom selvagem, que ganharia força anos depois, com o romantismo sobre o homem que não foi maculado pelos vícios da sociedade moderna, até hoje alguns ainda apostam nessa tese, principalmente que os índios aqui viviam em paz antes dos europeus chegarem a essas terras, mas a História prova que não é bem assim, até mesmo os índios do nosso continente viviam em guerras e disputas por territórios, com seus Impérios e conquistas, com seus escravos e tributos, com a mesma sede de poder, a verdade nua e crua é que o ser humano é o ser humano em qq parte do mundo, independente de cultura, credo ou criação de qualquer tipo. Somos um só, com aspectos positivos e negativos, embora esses variem de povo para povo, com cada sociedade ditando o que é considerado ruim ou bom. No livro não são propriamente índios do continente americano, mas pessoas dessa ilha, até muito bem evoluídos como sociedade, mas que fogem do padrão europeu de civilização da época, eles buscavam em outros continentes o ideal de civilizações mais simples, mais ligadas à natureza e por isso mesmo, com menos vícios.


Quanto ao desprezo pelo ouro e prata, pode-se achar isso mais real, já que as coisas tem valores subjetivos, valem o que as pessoas acham que vale, e isso por qualquer motivo, raridade, dificuldade de fabricação, apego afetivo, utilidade ou por simples vontade de possuir. O próprio ouro é louvado pela cor e brilho, que se assemelha ao Sol, o primeiro deus cultuado pela humanidade. De qualquer forma se não fosse por ouro e prata poderia ser por qualquer outra coisa, mas como os habitantes da ilha já tem o que precisam e não tem necessidades é aceitável, mas ainda que eles pareçam ser avulsos a qualquer tipo de desejo, o que já é muito ficcional, no mundo real, o desejo se apresenta e nem sempre é por simples ganância, ou mesmo sendo um tipo de ganância poderia ser algo mais leve, como o desejo de colecionar, que antes de mais nada é hobbie e pode ser por qualquer coisa, desde carros até pedras sem nenhum valor monetário, daquelas que se pode achar aos montes pelo chão. O próprio dinheiro é uma ilusão, o valor é subjetivo como comentei, ele é apenas uma forma que as pessoas acharam de facilitar relações de troca, antes de papel ou moeda era usado o sal, por exemplo. Falar que o dinheiro é a raiz de todo mal é uma razão meio simplista, ou mesmo que é a ganância humana também o é, já que é um sentimento muito complexo e que se apresenta de muitas formas, mais leves e mais graves, enfim, o ser humano é muito complicado em todos os sentidos imagináveis. Mas é uma forma mais romântica de se imaginar isso, embora não seja a verdade absoluta, mas é um traço do pensamento ocidental, que é geralmente voltado para o maniqueísmo, de algo ou ser de todo certo ou de todo errado.


Enfim, é uma boa fantasia, é bom imaginar o mundo de forma utópica, embora em geral a nossa realidade cruel aponta mesmo é para algo mais distópico no nosso mundo, principalmente quando nos vendem utopias. Quando a esmola é muita o santo (não Thomas Morus, que é santo da Igreja Católica) desconfia, já dizia o saber popular. Há uma frase no livro que diz tudo: "[...] se vossos esforços não puderem servir para efetuar o bem, que sirvam ao menos para diminuir a intensidade do mal; porque tudo só será bom e perfeito, quando os próprios homens forem bons e perfeitos." O problema é quando seremos perfeitos? Provavelmente nunca, é pessimista de minha parte dizer isso, mas também é realista. É bom mudarmos e tentarmos evoluir como sociedade, mas a ideia do livro ainda é por demais fantasiosa se colocada com o que é o ser humano, essa criatura que foge muito do ser semi-divino que sempre imaginamos, e nos esquecemos que somos animais e vivemos por instinto tanto quando as demais criaturas desse mundo. Temos a consciência e a inteligência, mas temos o instinto gritando em nós também. Certamente serei chamado de pessimista por alguns por essa análise, outros talvez dirão que não acredito no ser humano, o problema é que justamente acredito, mas conheço não somente a capacidade construtiva, mas também conheço e não ignoro a capacidade destrutiva do homem, e também até nisso há algum bem, afinal são os conflitos que criam, não a conformidade, é a inconformidade, o debate, os opostos que se complementam e de onde surge novas ideias, o espaço criado, afinal, quando uma árvore velha cai na floresta, abre espaço para novas mudas crescerem naquele espaço. O espírito humano é o que é por ser inquieto, às vezes isso é excelente, em outras péssimo. E não deixo de pensar em um parte do filme Matrix onde comentam que os humanos rejeitaram a primeira Matrix que lhes deu uma utopia, ela falhou exatamente por isso, no fundo sabemos, até por nós conhecer, que as coisas quando estão lá muito boas, é porquê algo de muito errado está acontecendo, não sei se houvesse realmente esse tipo de sociedade se realmente a abraçaríamos ou a rejeitaríamos.


site: https://focoderesistencia.wordpress.com/2015/05/07/critica-do-livro-utopia/
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Vitor 20/11/2014

Simplicidade
Um clássico dos clássicos, um dos melhores livros que já li, com uma ótima idéia na cabeça (um mundo livre do dinheiro) Morus mostra de forma simples como uma sociedade pode sobreviver com instituições fortes e agentes públicos que visam o bem da comunidade.
Ótimo livro, para abrir a mente para nosso meio de sociedade individualista e capitalista.
Recomendadissímo!!
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Lorrayne 01/12/2015

Meu livro preferido. Ponto.
" Os mortos insepultos tem o céu por mortalha'' trecho do poema épico Farsália citado logo nas primeiras páginas como sendo um dos preferidos de Rafael Hitlodeu - um aventureiro, que seria parte importante da narrativa - e logo tornou-se minha citação preferida também. Quando coisas, e pessoas deixavam minha vida, era assim que eu me sentia. Insepulta. Sem lei. Sem teto. Sem ter porquê. Entendi o que viria a ser o tal ''céu por mortalha'' e a realidade dos quem não tem ninguém, e contam apenas com Deus para velar por eles.
No sec XVII, More não era somente chanceler do Rei Henrique XVIII. Era também escritor, filósofo, tradutor e sub xerife de Londres.
Havia sido mandando para Flandres, a fim de resolver um embate político entre o Rei , e o excelentíssimo conde Carlos de Castela. Assim, que se estabeleceu em Flandres, More conheceu Peter Giles, grande pensador da época. Entre conversas que exaltavam a má postura dos privilegiados financeiramente, contrastando com a luta camponesa diária, eis que surge o mestre das navegações, Rafael Hitlodeu, para enriquecer a fervorosa conversa, com seu excepcional relato.
Rafael sempre fora um homem de posses, proveniente de Portugal e profundo conhecedor do restante da Europa, estava enfadado com as leis de seu mundo. Cansado de contestar em vão, lançou-se ao mar em busca de sossego, e por que não, novas ideias.
Seu barco ancorou em uma certa ilha. Ninguém sabia ao certo que ilha era aquela. Mas logo perceberam que se tratava de um país. Uma república verdadeiramente em seu sentido. Era Utopia.
Então, Hitlodeu compartilhou com More e Giles, sua experiência naquela divina república. Após cinco anos residindo em Utopia, decidiu voltar. Mas confessou que jamais esqueceria misteriosa e mágica terra.
Os utopianos são inimigos do ócio, mas não admitem que seus compatriotas trabalhem como burros de carga. Mantém uma jornada de seis horas diárias, e no restante de seu tempo, ocupam-se de atividades benéficas para corpo, mente e sociedade. Há quem critique esta carga horária de trabalho, mas é sempre bom lembrar que em outros países, existem uma imensa quantidade de pessoas, que nada têm a oferecer e são completos desocupados. Começamos pelas mulheres - que geralmente são impossibilitas por seus maridos de labutarem - religiosos, sacerdotes. Os ricos de berço, e seus criados. E sem contar na grande multidão de mendigos, que prefere humilhar-se pedindo esmola, mesmo tendo corpos saudáveis para o trabalho. Logo, as seis horas de jornada diária de todos os utopianos, são mais do que necessárias como valia para todos.
Usam vestes iguais. Feitas de um mesmo material. E abominam a veneração às pedras preciosas. Pois o maior bem que um ser humano pode possuir, é a própria vida. Já que esta não tem preço. Amarout é sua principal cidade, composta por cerca de 16 famílias. Em cada família, elege-se um líder. Chamado de Sicrógrafo. E então, se dá a melhor administração da região.
Nem sempre, se chamou Utopia, adquiriu este nome após o rei Utopos conquistá-la. Antes era chamada de Abraxas, que significa o mais alto dos céus.
Os utopianos dormem cedo. Às oito da noite já estão em suas camas. E não dispõe de um complexo sistema de leis, para que justamente seu povo possa compreende-lo em sua simplicidade. São poucas as leis. E sempre respeitadas.
Gozam de saúde, e um bom humor de encher os olhos. Não caçoam dos esteticamente mal afeiçoados. Os exaltam. Pregam sempre a igualdade. E só apreciam divertir-se com piadas inofensivas à autoestima de quem quer que seja.
Em Utopia não existe salões de jogos, e nem casas de prostituição. Os utopianos acreditam que o tudo que se faz escondido, não pode ser considerado um motivo de orgulho. E embora tido como ingênuos, felicitam-se por terem sua moral e integridade intactas.
Eles também não entendem como alguém pode se vangloriar de suas finas vestes de lã. Não obstante, essa lã cobria o corpo de um carneiro, e nem por isso ele virou outra coisa, além de continuar sendo um carneiro.
Resumindo a ópera... Os utopianos acreditavam na simplicidade do espírito. Do riso e do amor verdadeiro. E principalmente no fato, de quem ninguém - em absoluto - é melhor do que ninguém.
Hitlodeu finalizou seu relato bastante nostálgico, pois garantiu a todos que fora em Utopia, que ele deixara seu coração.
E eu, digo o mesmo.
Não sei se Utopia de fato existiu, ou se foi apenas criação da habilidosa pena de More. Mas onde quer que esteja esse lugar, real ou inventado, eu também estou.


« Em Roma brilharam homens valentes
Na Grécia, sublimes e eloquentes
Em Esparta, severos
Na Alemanha, eram duros ;
Na honrada Marselha, justos e honestos.
Em Ática, urbanos e espirituosos ;
Em África, fortes e portentosos ;
Em França, os Santos da religião ;
Generoso foi sempre o homem bretão.
Cada virtude possui o seu ninho :
O que cá não existe abunda por lá.
Utopia, porém, reúne sozinha
As virtudes todas num só lugar. »
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Ricardo Silas 07/12/2015

Desejo-o mais do que espero.
Em junho de 1536, após suportar a um ano de prisão, Thomas More foi condenado à morte pelo crime de alta traição contra o rei da Inglaterra, Henrique VIII. Essa acusação grave teve início alguns anos antes, quando More foi pressionado a compactuar com os interesses da realeza, que pretendia anular o matrimônio da rainha Catarina de Aragão para casar Henrique com Ana Bolena. Nenhum suborno ou ofertas de cargos de prestígio na nobreza impediu que More fizesse oposição política ao novo casamento. Mas essa não foi uma de suas melhores fases. Foi em 1516, no entanto, que o autor de Utopia publicou a obra que mais tarde influenciaria centenas de pensadores e filósofos europeus.

Trata-se de uma ficção que apresenta um novo modelo de sociedade. Utopia é o nome da ilha, anteriormente chamada de Abraxas, em que as pessoas são governadas por uma república ideal. De acordo com a antiga lenda, Utopus foi o herói que conquistou aquele território, transformando o seu povo em um dos exemplos quase perfeitos de civilização e cultura jamais vistas na humanidade. Essa foi a oportunidade que More encontrou para contestar os hábitos e tradições dos governos absolutistas da Idade Média, em sua maioria exploradores do trabalho e causadores da miséria dos povos. As instituições dominantes, com seu poder e influência sobre a vida social, foram alvo de duras críticas. Só um pensamento ousado se desafiaria a hegemonia monárquica e a ortodoxia da Igreja Católica, pois tudo aquilo que não estivesse de acordo com os interesses dominantes era rotulado como heresia punível com a morte.

O livro Utopia é dividido em duas partes: na primeira, vemos uma conversa protagonizada por Thomas More e um distinto viajante, Rafael Hitlodeu, personagem central do livro que testemunhara a ilha utopiana e os costumes de seus cidadãos; na segunda parte, Rafael descreve sua viagem em detalhes que despertam o interesse e o entusiasmo do leitor. Antes de ser solicitado a relatar as experiências de sua aventura, Rafael questiona a sociedade europeia comparando-a à terra utópica onde estivera. Lá, diz ele, não existe propriedade privada, quase nunca os crimes acontecem e as pessoas são ensinadas a viver sem ganância, sem soberba ou competições destrutivas. Na Europa, sobretudo na Ingleterra, o viajante observa que as instituições políticas e jurídicas criam as condições de pobreza e miséria para, em seguida, punirem os pobres e miseráveis. É um ciclo sádico de fabricação de ladrões e criminosos, que são eles mesmos punidos por aqueles que os fabricaram. Que mais seria isso, senão resultado de uma sociedade sem liberdade e acorrentada na desigualdade, e que concentra aglomerados de riqueza nas mãos de uns poucos que se beneficiam do trabalho pesado de muitos?

O livro dois traz as informações que Rafael colheu enquanto visitava na inacreditável Utopia, como garantia de que existe uma alternativa capaz de substituir o status quo das nações ocidentais.

O leitor do século XXI pode reconhecer que algumas aspirações de Thomas More se encontram vivas na atualidade, como a liberdade religiosa e a eutanásia. Em Utopia, um enfermo tem o direito de escolher a vida ou a morte, caso sua doença seja incurável ou o sofrimento de que padece não possa ser atenuado pelos médicos. Porém, nem tudo é perfeito. Percebemos isso ao encontrar elementos típicos da sociedade medieval entranhados no paraíso fictício do autor. Quando em sua viagem à ilha, Rafael Hitlodeu encontra um Estado fortemente patriarcal, com mulheres submissas aos maridos e filhos subservientes aos chefes das famílias, também chamados de filiarcas. Vemos ainda o escravagismo e a sobrevivência baseada em cultura agrária, tudo estruturado em hierarquias que gerenciam os setores de produção local e o comércio com o estrangeiro.

A jornada de seis horas de trabalho não é dedicada ao inútil e ao supérfluo, e todo o tempo é focado na produção de bens necessários para o bem-estar coletivo. Se alguma cidade está em escassez, ela é socorrida pelas regiões mais abundantes, sem nada exigir em troca. Todo o excedente é destinado ao reabastecimento das regiões que eventualmente precisam de determinados recursos, e ninguém precisa viver preocupado com a ameaça da fome, pois tudo é baseado em uma economia de doação. O tempo livre é aproveitado para a arte, os estudos e o lazer, que são a fonte de realização pessoal dos seres humanos. Não existe propriedade privada, nem moedas em circulação. Os utopianos vivem, enfim, como uma grande família que se respeita mutuamente, repudiando qualquer noção de conflitos entre si.

Dizem que Thomas More fez o esboço de uma sociedade comunista, e isso foi reflexo, três séculos depois, do socialismo utópico de Charles Fourier, Louis Blanc, Saint-Simon, Robert Owen e outros.

Para a nossa época, a Utopia teria de se adaptar a alguns conceitos. Nós levamos em alta estima a liberdade da mulher e não mais aplicamos a pena de morte como instrumento jurídico, ao contrário dos utopianos que infligem esse castigo àqueles que reincidirem no “crime” de adultério. É evidente que o autor carrega marcas do contexto em que vive, sobretudo da fé cristã que professa. Mas devemos reconhecer que isso não torna a sua obra menos fabulosa e destemida pelas críticas que faz à sociedade real. Se já enxergamos em nosso meio alguns anseios da Utopia, é sinal de que a humanidade, apesar de seus graves erros, está progredindo e amadurecendo. As utopias não são sonhos impossíveis, e isso me leva a crer que o futuro nos reserva mudanças extraordinárias.
Bia 07/12/2015minha estante
É bom?


Ricardo Silas 07/12/2015minha estante
Além de bom, é um livro curioso. Parece que o autor pensava uns 200 anos à frente de sua época. Dá pra aproveitar muita coisa da leitura.


Bia 07/12/2015minha estante
nossa que bom! eu estava pensando em ler :)


Ricardo Silas 07/12/2015minha estante
arruma um tempinho pra ele. acaba rapidinho. já percebi que a nossa fila de livros fica cada vez maior


Bia 08/12/2015minha estante
irei arranjar sim! pois é, e comprar todos eles dificulta todo o processo kk


Ricardo Silas 08/12/2015minha estante
kkkk concordo




Juliano Bertoldo 28/03/2016

Clássico.
Gostei muito do livro. Muito interessante, ainda mais no atual cenário político brasileiro. Aborda a questão política (socialismo), religiosa, moral, estrutural do Estado. Recomendo.
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Silvio 15/08/2017

O livro descreve uma sociedade (quase)perfeita; uma sociedade baseada nos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade; no amor ao próximo. Uma sociedade que valoriza somente aquilo que de fato merece ser valorizado, não o inútil, não o supérfluo.
Fala de comunismo, porém não o comunismo conhecido de hoje, baseado na força, mas um comunismo baseado no bem-estar de todos, no comum acordo, no amor ao próximo, onde não há miséria, nem miseráveis. Até mesmo os escravos e prisioneiros são tratados com certa dignidade humana, de formas muito diferentes de nossa realidade atual.
Embora tenha sido escrito no século XVI, parece-me cair como uma luva para a época atual; acho que todos, sem nenhuma exceção, deveriam ler e meditar muito sobre essa obra, principalmente quem tem qualquer tipo de poder político e/ou monetário e até mesmo os "folgados sem-vergonhas".
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Cheiro de Livro 05/02/2019

Utopia
Nesse mês que o Cheiro de Livro dedica às distopias, achei que primeiramente precisava voltar ao início, à Utopia. Não só como conceito de sociedade perfeita, mas ao livro mesmo publicado em 1516 pelo filósofo renascentista e conselheiro de Henrique VIII, Thomas More. Pra isso conto com uma ajudazinha de China Miéville e Ursula K. Le Guin, que assinam introdução e ensaios de uma excelente edição comemorativa de 500 anos da obra.
Le Guin considera que cada eutopia (’lugar bom’) contém uma distopia (‘lugar mau’), e vice-versa. Miéville, ao discutir se a obra de More é uma proposta ou uma sátira, conclui que pode ser as duas coisas ao mesmo tempo. Ela, que já explorou o assunto em romances como “Os Despossuídos” e “Always Coming Home”, considera que o utopianismo é mais que uma esperança, é uma necessidade.

O livro de More começa com um debate entre o autor e um viajante sobre formas de governo, conceitos de justiça e punição por crimes. Ainda bem que a obra, escrita em latim, só foi publicada em inglês depois da morte do autor. Não sei se o patrão dele, o rei, teria gostado de certas ideias.
O viajante passa a descrever como exemplo de sociedade justa e equilibrada uma ilha onde viveu por alguns anos – Utopia. Curiosamente, foi tomada à força por um tal Utopus, que dominou a rude população local, e com uma mega obra de engenharia separou a ilha do continente para criar sua sociedade ideal.

Lá ninguém passa necessidade, todos trabalham pelo bem comum. Não existe propriedade privada nem dinheiro, todos se vestem com roupas iguais, não há luxo ou vaidade. O dinheiro gerado pelas exportações serve apenas para comprar o que a ilha não produz. Nem tudo é perfeito: às vezes, Utopia é forçada a travar guerras, seja para se defender ou para proteger aliados vizinhos. Mas geralmente contrata mercenários de outros lugares – o que também contribui para reduzir essa população violenta capaz de lutar por dinheiro. As tarefas mais desagradáveis – como o abate de animais para comer – são feitas por escravos. Sim, isso mesmo. Utopia tem ESCRAVOS. Mas esses são os cidadãos que infringem as leis e ferem o bem comum. E têm a possibilidade de se redimirem e serem ressocializados. Então tudo bem? A liberdade religiosa é total. Ou quase. Todas as crenças são respeitadas. Só não pode ser ateu. Os ateus não são confiáveis: se não acreditam na alma, então consideram os humanos iguais aos animais, e assim são capazes de violar todas as leis, portanto são desprezíveis…

Tanto Le Guin quanto Miéville (este marxista de carteirinha) estão cientes dos riscos da Utopia. Le Guin chega a questionar se a conformidade não levaria à estagnação, e se o conflito não é necessário para avançar. Ela lembra Milan Kundera, que em O Livro do Riso e do Esquecimento dizia que o totalitarismo também é o sonho de um mundo em que todos vivem em harmonia, unidos por uma vontade comum. No entanto, sempre surge alguém que fica no caminho, e os governantes do paraíso são obrigados a construir um pequeno gulag ao lado do Jardim do Éden. Com o tempo, o gulag vai ficando cada vez maior, enquanto o paraíso encolhe e fica mais pobre…

site: https://cheirodelivro.com/utopia/
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AndrA.BrandAo 22/04/2019

me fez pensar se a comédia (bem feita) realmente envelhece?
Karynna.Espinoso 08/09/2019minha estante
Não entendi




Igor13 27/09/2019

Aspira-se Utopia, espera-se uma distopia.
Sim, uma obra 'genial' e super complexa. Recomendo o livro: Dystopia: A Natural History, de Gregory Claeys, para melhor entender o tema.
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João 04/02/2020

null
Por ser escrito no século XVI, por uma pessoa influente da Inglaterra e ser a origem do uso da palavra Utopia, este é um livro importante para a história e para o pensamento político. Porém, é cansativo e confuso em certos pontos. Caso se interesse por política e documentos históricos é um livro importante para ser lido.
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VonWry 13/02/2020

Utopia Religiosa lol
Muito válido.

More critica a Inglaterra nas entre linhas nitidamente.

Não há dinheiro na ilha de utopia, todos são "ricos". Não há miséria na ilha.

More não era socialista muito menos comunista.

Não fui capaz de compreender o que More queria exatamente com esse livro. Não sei, há algo mais do que essas interpretações de youtuber e etc.

:))))
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@apilhadathay 06/05/2020

Em construção!
A resenha está em construção. O que posso adiantar é que esse livro é um clássico.

A leitura é densa, sim, é um livro de 1516! Mas o que tem de difícil, tem de importante para a história e a Literatura. Amo e não é pouco!

Em breve, a resenha completa aqui, no IG @apilhadathay e no blog www.pilhaflutuante.com.br
R. K. 20/10/2020minha estante
Estou relendo


@apilhadathay 26/10/2020minha estante
Maravilhoso, não é, profe? S2


R. K. 27/10/2020minha estante
E simples. Ando voltando ao básico, flor. A humanidade está cada vez mais difícil de interpretar




Hugo.Lousada 05/06/2020

Um ótimo livro. Gostei bastante, não é apenas um conto ou uma história, é o livro de um dos precursores da sociologia (mesmo que o autor nunca tivesse essa pretensão). A obra retrata o suposto mundo perfeito, pelo menos na visão do próprio autor. Muito interessante, recomendo.
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