Quincas Borba 03/06/2024
"Acautele-se, meu senhor, contra o ciúme. É ele
O monstro de olhos verdes que zomba da carne com que se alimenta."
"Otelo, o Mouro de Veneza" é uma peça escrita por William Shakespeare em 1603. A história segue o protagonista homônimo Otelo, um grande general Mouro a serviço da República de Veneza, que acaba casando com a bela Desdêmona, sendo convocado para lutar contra os turcos otomanos na ilha de Chipre. Porém, o seu alferes Iago conspira contra a estabilidade de Otelo, criando uma das maiores tragédias já escritas.
Uma das peças mais famosas de Shakespeare, "Otelo", como "Hamlet", impressiona por sua aparente simplicidade: é uma peça curta que pode ser lida em poucos dias, até mesmo horas, mas existem tantos, mas tantos detalhes, informações e Interpretações que levariam anos para serem desvendados. A beleza de "Otelo" não está apenas em seus maravilhosos diálogos, mas nas índoles de cada personagem e suas concepções; invocando novamente "Hamlet", cada personagem é um universo de Interpretações que merece ser explorado e estudado.
Sou da opinião que Iago sozinho não seria o suficiente para carregar a tragédia; existem traços e conflitos já antes predispostos. Iago apenas acelerou o processo e o deu rumos muito mais sanguinolentos por simplesmente querer. Otelo vê-se como um diferente da sociedade, não suficientemente contente com a aceitação da sua esposa e até do alto escalão da Sereníssima República, ele é extremamente volátil e imaturo emocionalmente, deixando o trabalho de Iago muito mais fácil; claro, não digo que Otelo sozinho com seus defeitos é responsável pela tragédia, senão Iago nem seria o vilão, mas é notável que ele mesmo contribuiu muito para sua decadência, passando de um grande general respeitado por senadores a um assassino.
É uma peça cheia de símbolos e duplicações: seja a dupla-face de Iago, as várias conotações sexuais implícitas ou a idealização; a idealização pode ser um dos maiores temas da peça, seja ela ruim ou boa, com personagens como Otelo, Desdêmona e Roderigo ficando cegos pela sua forma de enxergar o mundo, enquanto personagens como Emilia e Iago vendo o mundo pelo o que ele é.
Eu já falei o nome dele trocentas vezes nessa resenha, mas é, Iago é a melhor parte da peça. Esse diabinho maquiavélico não é simplesmente "puro mal", como se fosse uma desumanização; é através de seus esquemas e manipulações que vemos o lado cruel da humanidade, cruel e comum, infelizmente. O modo como o alferes utiliza até mesmo sua esposa para ganho pessoal e meio para alcançar seus objetivos é algo extraordinário. Como ele consegue trazer a tona as incertezas de Otelo, que acaba sendo consumido por uma onda de ciúmes que estava dentro de si, mas que foi agravada por Iago, é um esquema tão bem executado e maligno que não sobra dúvidas quanto ao seu lugar como um dos maiores vilões da literatura.
Assim, concluo que "Otelo" não é apenas uma peça sobre vingança e ciúme. É muito mais que isso. É um estudo das profundezas da alma e das ações humanas, e como devemos lidar com elas, não sendo perfeitos, mas convivendo com elas. Em um mundo perfeito, Otelo e Desdêmona nunca teriam se apaixonado precocemente.