spoiler visualizarAmanda 29/04/2012
Otelo ♥
Sou apaixonada pelas obras de Shakespeare. Ele escreve com tamanha fluidez, com um sentimento tão impregnante que é impossível não se identificar, ou ao menos conseguir sentir, o que ele quer passar com suas palavras. É fascinante o modo como ele domina o próprio texto e a própria trama e é quase pecado ele não ter tido o reconhecimento merecido enquanto era vivo. Então, assim como eu, você pode se perguntar como alguém poderia simplesmente resenhar uma obra conhecida mundialmente, um clássico da literatura trágica como se fosse um livro qualquer. E, por isso, por não conseguir resenhar algo desse nível (e nem me achar digna de dizer "ah, com licença, mas não gostei do jeito que Shakespeare escreve ISSO AQUI" - ah, fala sério), vou meramente dar minha opinião sobre o assunto. Que é positiva. Muito, muito positiva.
Otelo é um guerreiro, um general, um homem da guerra que apesar de tudo, é muito respeitado por seus feitos corajosos. Já Desdêmona é uma donzela filha de um dos senadores de Veneza que imediatamente se encanta com as histórias da vida de Otelo. O amor dos dois é lindo, ultrapassando as questões éticas e sociais da época, fazendo com que até mesmo Desdêmona acompanhe o marido na guerra. O amor faz essas coisas com as pessoas.
Otelo, o Mouro de Veneza, baseia-se principalmente na questão do ciúme. Como as obras de Shakespeare, o amor é o tema que mais se é falado, mas o ciúme em Otelo prospera de uma maneira ensandecida. Iago, o alferes de Otelo, mas que também pode ser chamado de cobra peçonhenta que poderia muito bem ter morrido com uma espada na barriga já no primeiro Ato é quem atua como provedor da discórdia entre o harmonioso casal principal, difamando até mesmo a própria esposa para conseguir alcançar seus objetivos gerados por inveja e, também, um ciúme estúpido causado por rumores. E todos nós sabemos que não há coisa pior para acabar com uma relação saudável do que rumores mentirosos e uma pessoa de "confiança" para envenenar a mente de alguém diariamente. E assim que Otelo enlouquece e isso é o que lea ao final trágico de Desdêmona e dele próprio.
Depois de ler Otelo e Dom Casmurro, fica impossível não fazer uma comparação. Algumas cenas de Otelo eu lia e pensava que já tinha visto algo parecido em algum lugar, algumas frases, uma em especial, propositadamente ou não, é idêntica a uma frase de Dom Casmurro. O que me fez pensar se Machado de Assis foi um gênio por fazer o Otelo brasileiro, ou não tão gênio assim por simplesmente pegar uma história consagrada que já existia e modificá-la, conquistando o público que o adora e o que o odeia pela semelhança, mas que, ainda assim, leria seu livro apenas para ter certeza. Apesar de ambas as histórias terem seus fundamentos distintos e as duas terem seus pontos altos de diferença, como seus finais, por exemplo, não pude evitar a pontadinha de decepção ao ver que o livro que eu mais tinha gostado da literatura brasileira não era originalmente brasileiro. Pelo menos em partes. E certo, eu sei que pode ser uma opinião de leigo muito leviana, mas então serei leiga para sempre porque não consigo tirar da cabeça aquela tal frase de Dom Casmurro: "Ela amou o que me afligira, eu amei a piedade dela"; e em Otelo: "Ela me amou porque passei perigos e eu a amei pela piedade que mostrou por eles." Foi a frase que fez com que eu me apaixonasse por Dom Casmurro e isso foi um pouco decepcionante porque no livro de Dom Casmurro, ao menos na versão que li, não tinha direitos autorais no trecho, nenhum asterisco para mostrar que aquela frase não era originalmente de Machado de Assis e sim de Shakespeare. Foi o fato, a constatação que deu base ao romance de Bentinho e Capitu, assim como foi também o que deu base à Otelo e Desdêmona. E tudo bem que a frase não é excepcionalmente livre de semelhanças, mas é que é semelhança demais, se é que vocês me entendem.
Não vou deixar de gostar de Dom Casmurro por isso e continuo achando Machado de Assis um ótimo escritor, mas é que toda essa situação realmente faz a gente pensar. Eu, como escritora, prezo muito os direitos autorais, mesmo que seja de um escritor inglês que viveu há anos. Não importa - é um clássico mundial, não somente inglês e, mesmo que não fosse, direitos autorais continuam sendo direitos autorais. Tira um pouco da magia da obra, se é que alguém aqui concorda comigo. E, de novo, não foi somente essa frase que me fez pensar nas semelhanças, até porque em algumas versões do livro pode até ter aquele abençoado asterisco e aquela notinha de rodapé tão amada. Mas a história toda e o ponto principal ser o ciúmes, tudo isso contribuiu para a formação da minha impressão sobre ambos os livros e sobre a opinião concreta e fundada de que há muitos aspectos de Otelo dentro de Dom Casmurro.