Rosa Santana 18/01/2020
Ficção? Realidade?
Profundo, intenso, forte, Trilogia Suja de Havana, mostra a dura realidade do povo cubano, em consequência do bloqueio econômico impetrado pelos EUA que também forçaram outros países que mantêm relações com eles (os Estados Unidos) a agirem do mesmo modo, com relação ao país governado por Fidel Castro. Ao perder a ajuda URSS, Cuba fica à deriva: seu povo sofre pela falta de alimentos, de trabalho, de dinheiro; mas não perde a alegria, o colorido, a vivacidade! Luta por se manter vivo. E é essa luta que Pedro Juan Gutierrez traz nessas mais de trezentas páginas!
Bem ao estilo realista PJ aposta nos temas como a traição, o adultério, a dissimulação, a falta de ética e os jogos de interesses tão recorrentes nas obras que marcaram esse período artístico. Personagens desprovidos de sentimentos humanos, bem ao modo naturalista, desfilam aos nossos olhos, nos deixando perplexos pelo egoísmo e pela incapacidade de ver no outro um igual, com os mesmos problemas e objetivos!
Se o romantismo cultuou um maniqueísmo em que o bom luta contra o mau, aqui (no realismo) o mau e o mau se degladiam querendo engolir um ao outro, como a buscar sobreviver!
Há personagens fracas que são sucumbidas pelas mais fortes, como Berta, por exemplo!
Como visitei Havana recentemente, passeei pelo Malecon com os personagens, visitei os cortiços en la habana vieja onde moram os cubanos, lá, tão visíveis a todos e não escondidos como os nossos, nas nossas favelas imundas e decadentes!
Recomendo a leitura!
Trechos:
Só posso adiantar que os sonhos são uma grande bosta. Os seres humanos têm que extirpar os sonhos , por os pés na terra e dizer: Porra, agora sim! Estou bem ancorado na terra. Podem vir as ventanias. Só assim vc pode chegar ao final de um mínimo de avarias e se fazer água, ou pelo menos só com um pouco de água no porão.
Pág 62
E continuo na minha luta contra o medo. Lutar é uma maneira de dizer. Eu, sozinho, não posso lutar contra o medo. Mas rezo toda noite e sempre peço a Deus para tirar o medo do meu coração, desanuviar a confusão do meu cérebro. Com medo e confusão eu fico paralisado. E Deus me ajuda em todo o possível e me dá pequenos sinais.
Pág 93
... Acordei Anneloren, que estava com cinco ou seis anos, levei-a para o terraço, mostrei Vênus e depois oSol. Isto é eterno. Tudo o que é importante, as coisas mais importantes, perduram. Você sabe que estão lá e que podemos agradecer por elas.
Pág 153
Ele era um velho heróico ao estilo clássico. Destruído até a medula, mas não derrotado. Eu não tenho nada de heróico. Nem eu nem ninguém. Atualmente ninguém mais é tão obstinado, nem tem tanto senso nem tanta responsabilidade com seu ofício. O espírito da época é mercantil. Dinheiro. Se for em dólar, melhor ainda. O material para fabricar heróis está cada vez mais escasso!
Pág 315
... pegou uma revista de 1.957 e abriu ao acaso. Uma entrevista de Frank Lloyd Eright: ?Quanto tempo pode durar uma civilização sem alma? A ciência não pode nos salvar: ela nos levou para a beira do abismo. Isso deve ser feito pela arte e pela religião, que são a alma da civilização.?
Pág 334