Carlos Alberto 11/10/2010
Sensacional.
O Evangelho, biblicamente falando, é narrado por quatro pessoas: Mateus, Marcos, Lucas e João. Saramago se propõe, então, a narrar da sua forma esta história mundialmente conhecida.
Com uma descrição impecável e algumas vezes repetitiva, José Saramago relata a vida de um Jesus comum, humano, com suas necessidades e ambições, culpas e remorsos, filho de um José crucificado e uma Maria incrédula. Irmão de outros sete, abandona a casa ao treze anos após descobrir que seu pai deixou que matassem as crianças de Belém, a mando de Herodes, pois preferiu salvar a sua própria, mas que afinal estava em segurança numa caverna longe da cidade. Viveu quatro anos ao lado de um autodenominado Pastor, até que um dia vê Deus em formato de nuvem, no meio do deserto. Há uma aliança a ser feita: em troca de póstumas glória e poder, Deus quer a vida do Seu Filho, Jesus; aliança aceita. O Filho de Deus descobre os desejos da carne com uma prostituta, Maria, da cidade de Magdala, com quem acaba por dividir o resto de seus dias na Terra. Torna-se pescador, embora não tivesse a mínima vocação para isso. Arrasta exércitos de seguidores, crentes em seus milagres, seus exorcismos e suas pregações de arrependimentos e belas histórias contadas. Morre nu, ao lado de dois ladrões, como o Rei dos Judeus e com uma mãe ressentida aos pés: "Homens, perdoai-lhe, porque Ele não sabe o que fez".
Saramago faz de Deus um deus mesquinho, que quer sempre poder e glória e para conquistar mais adoradores, usa de Jesus como ferramenta: "Vai, ande a pregar o arrependimento. Diga: Arrependei-vos. Não há ser humano que não tenha pecados. Ah... e se eles não te derem ouvidos, use a imaginação, conte parábolas, e não se preocupe se eles não as entenderem, deixe lhes ficar a dúvida e pensar que se não conseguem entender, a culpa é só deles. Para arrematar, tu morrerás numa cruz, morrerás como um mártir para seres lembrado no futuro, e ampliar meu domínio sobre o ocidente, sobre as terras a serem descobertas."
Esta obra é simplesmente fantástica do ponto de vista ficcional, mas pode ir contra os valores dos mais religiosos. Saramago com certeza quis isso, e eu o apóio.