AndreTaff 24/05/2024Um livro incrívelJá em outra resenha que Cormac McCarthy não é um autor de livros fáceis. Ainda que mantenha a minha opinião, "Todos os belos cavalos" foi, sem nenhuma dúvida, a leitura mais fácil e fluida que fiz do autor. Mesmo que a violência característica de McCarthy ainda esteja presente, e com grande importância no comportamento dos personagens, nesse livro ela ocorre com muito menor frequência do que em "Meridiano de Sangue", para citar um exemplo.
Todos os belos cavalos é um faroeste moderno ambientado nos anos 1940. Na história, John Grady Cole é um adolescente de 16 anos que decide ir ao México com um amigo, Rawlins, depois da morte do avô, quando é informado da venda do rancho da família. Com poucos pertences e a cavalo, eles partem para o sul com o objetivo de se tornarem vaqueiros. O livro fala da amizade entre os dois e do processo de John ao se tornar um adulto, se defrontando com o peso de suas decisões e com a crueldade implacável do mundo.
No livro, os cavalos parecem representar a beleza inocente da natureza e a conexão dos homens com essa mesma natureza. Um dos melhores trechos do livro fala exatamente dos cavalos:
"O velho fez com a boca que iria responder. Finalmente disse que entre os homens não havia tanta comunhão quanto entre os cavalos e a ideia de que os homens poderiam ser entendidos na certa era uma ilusão. Rawlins perguntou-lhe em seu espanhol estropiado se havia um céu para os cavalos mas ele balançou a cabeça e disse que o cavalo não precisava de céu. Por fim John Grady perguntou-lhe se não era verdade que se todos os cavalos desaparecessem da face da terra a alma do cavalo também pereceria pois não haveria nada com o que reabastecê-la mas o velho apenas disse que não havia sentido falar em um mundo sem cavalos porque Deus jamais permitiria uma coisa dessa."
A dificuldade dos homens serem entendidos uns pelos outros é um tema central na história. Já no México, apaixonado pela filha do dono do rancho onde trabalhavam, Grady decide perseguir esse amor proibido, o que Rawlins não entende. Grady não entende o código moral mexicano, não compreende suas regras e os limites que lhe são impostos. Os personagens têm ideias e interesses distintos, e é como se cada um vivesse em seu universo particular. Solitários, mesmo enquanto acompanhados. As conexões que formam parecem efêmeras, à mercê das pressões do mundo ou de seus próprios desejos internos.
O mundo dos cavalos é simples, belo e direto - não há mentiras, interesses velados ou acusações. No rancho mexicano, há uma passagem em que Grady e Rawlins passam alguns dias domando cavalos xucros. O trabalho é árduo, mas os mexicanos os admiram, parando para assistir a empreitada. Nesse momento, os amigos americanos parecem felizes como em nenhuma outra parte da história. Domar um cavalo é trazê-lo, em partes,
para o mundo falho dos homens, e faz sentido pensar que nesse processo o cavalo - antes um ser puro e em total comunhão com a natureza - é, em certa medida, corrompido. Por outro lado, também tem lógica pensar que a pureza perdida pelo cavalo é absorvida pelo homem por esse contato, tornando-o mais belo, mais simples.
É montando um desses cavalos que Grady encontra a filha do rancheiro, Alejandra. Ela quer montar o cavalo, fazendo dele um elo, como se a relação entre os dois fosse intermediada pelo animal. O amor entre Grady e Alejandra é puro, e em certo momento parece que o Destino requer que fiquem juntos, mas McCarthy logo nos lembra que até mesmo o poder do Destino não é páreo para o mundo de mentiras e subterfúgios dos homens.
Grady e Rawlins são presos, acusados de roubar um cavalo, e na prisão logo aprendem sobre a brutalidade inerente aos homens. Até esse momento, Grady estava iniciando a sua vida de adulto pelo prisma do amor e do trabalho, mas agora adentra um mundo duro e violento, tão diferente da rotina que conhecia no rancho. Na prisão, não há cavalos, e ali a corrupção dos homens atinge seu auge.
Todos os belos cavalos é o primeiro livro da Trilogia da Fronteira de McCarthy. No livro, há várias fronteiras - a mais óbvia é a geográfica entre EUA e México, mas há também a fronteira étnica e cultural entre americanos e mexicanos, a fronteira entre a vida adulta e a infância, e a fronteira entre o mundo animal e o humano, representada pelos cavalos. Terminei a leitura há algumas semanas, e desde então não parei de pensar no livro, em seus significados escondidos, sua simbologia. "Meridiano de sangue" ainda é o meu preferido do autor, mas "Todos os belos cavalos" está bem próximo.
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