caio.lobo. 23/06/2023
Um método fundamentalmente essencial e perigoso.
A grande técnica de Stanislavski é um marco para o teatro e quem sabe para o cinema, apesar dos excessivos cortes de cenas. É uma forma de fazer teatro que ajuda a se tornar outra pessoa e se aprende a sentir o que o personagem sente, a pensar como ele pensa e a agir como ele age, e desse modo consegue ?enganar? ou fazer o público acreditar que você é mesmo o personagem e não está só atuando. Se a ?verdade na cena? e para isso Stanislavski ensina uma técnica perigosa, a meu ver. Para emular sentimentos e sensações o ator deve trabalhar com seu conteúdo interno e o utilizando para gerar a emoção requerida, ou seja, na cena em que o personagem dá uma gargalhada o ator deve trazer da memória algo que o fez rir, como uma situação engraça, e se deve chorar a morte de alguém numa tragédia se deve trazer na memória a morte de um membro querido. Aqui eu vejo o perigo de dois modos:
1) Trazer constantemente sofrimentos que podem ser traumáticos ou ainda não tão bem cicatrizados poderia gerar uma mania ou um ressentimento constante, ou até uma ansiedade em relembrar aquela dor em cada encenação. Em pessoas não preparadas poderia gerar angústia, depressão e até o suicídio, como já ocorreu realmente com atores;
2) Uma coisa pior é ocorrer de sentimentos sinceros e verdadeiros, mesmos que tristes ou melancólicos, acabem se ?desgastando?, ou seja, ficam banais e a pessoa pode se tornar apática aos próprios sentimentos.
Stanislavski percebeu estes perigos e diz a lenda que ele mesmo abandonou esta técnica e focou na imaginação, tentando emular sentimentos a partir do texto dado, se colocando no lugar do personagem e trazendo da memória apenas a vaga lembrança do sentimento. Assim se deve estudar a psicologia da personagem, se inspirando em referências externas, como as boas atuações de outros atores no papel e até as más para que se evitem os mesmos erros. O ator pode criar uma situação pessoal imaginária onde ele se coloca numa dada situação e pensando como agiria naquele caso. O corpo aqui tem papel importante, pois se o personagem está com raiva, o ator pode respirar de forma rápida e intensa e tensionar os músculos do rosto e do corpo. Essas ações ajudam a produzir as reações fisiológicas associadas à raiva. Mas de certa forma tudo isso se resume em realmente ?incorporar? a personagem, esquecer-se de si e ser outro.
Em alguns momentos o método Stanislavski é quase uma meditação, com concentração no corpo e concentração numa emoção. Deve também estabelecer uma relação com os outros atores na cena, ouvindo-os e reagindo a eles de forma natural e espontânea. O subconsciente tem importante papel na construção da personagem, pois daí surge muitas ideias criativas, mas não se deve tentar controlá-lo, pois se o subconsciente se torna consciente já não é mais subconsciente e então se esgota uma fonte imaginativa. Por isso a intuição é o caminho não de acesso ao subconsciente, mas a maneira do subconsciente acessa a nossa consciência. É um ?deixar fluir? aproveitando as oportunidades de espontaneidade e inspiração que veem à mente.
Sobre o livro em si, ele tem uma estrutura interessante para este tipo de assunto técnico, pois está escrito em como uma história e com diálogos, com personagens fictícios que pensamos como reais. A narrativa é um curso de teatro e as personagens são pessoas que querem atuar tendo aulas com um renomado diretor, e se aprende mais através dos erros destes atores que são corrigidos pelo diretor, em alguns momentos dramáticos. Claro que não chega a ser uma literatura potente como a de um Machado de Assis, mas como ensino de método é uma escrita potente.