josemaltaca 17/04/2018
José lendo um livro de José sobre José
Todos os Nomes é um romance típico de José Saramago, apresentando grande parte dos assuntos já lidados anteriormente por ele em outras obras e que seriam abordados em obras posteriores. Temas como a morte, a indiferença de Deus ante a miséria humana, a superação das adversidades como maneira de auto-identificação e a transcendência dos atos de coragem perpetrados pelo livre arbítrio estão aqui representadas. Todavia, em suas pouco menos de 280 páginas, alguns temas são subaproveitados, deixando uma sensação de ponta solta no leitor. Enquanto toda a narrativa do protagonista, o Sr. José, é um arco de transformação intimista, relatado detalhadamente sob o foco de seus pensamentos, as ações das demais personagens são vagas e somente dão margem à dúvida e à incerteza. Mesmo que seja intencional da parte do autor, tal recurso enfraquece a narrativa, adicionando camadas de imprevisibilidades inverossímeis e destoantes de uma história focada em uma pessoa tão somente.
A linguagem e a forma utilizadas por Saramago são, por essência, a linguagem e a formas de Saramago (quem já leu algum romance do autor sabe que aqui não estou a incorrer em redundância). Longos parágrafos, digressões sobre possibilidades que não ocorrem, ausência de travessão, poucos pontos, escassas vírgulas, fluxos de pensamento, tudo aqui evoca a sagacidade característica do autor. A leitura poderia ser maçante, não fosse a magistralidade com que ele apresenta a forma, em que, apesar de difuso e cheio de nuances e poréns, o fluxo narrativo nunca deixa de seguir uma linha, sempre em uma cadência rítmica, porém imprevisível. Não foi somente em uma vez que fui pego de surpresa no meio da leitura, quando, em meio a um transe ocasionado pelos pensamentos do protagonista, fui subitamente jogado no meio da narrativa, com novos eventos acontecendo.
A ironia com que Saramago tece a teia de Todos os Nomes é encantadora: o Sr. José é o único personagem que recebe um nome e, portanto, o único que importa para a trama. Simultaneamente, José é um nome comum, e, portanto, pode simbolizar todos os nomes que existem, uma pessoa qualquer, como o autor faz questão de frisar. Não obstante, o fio condutor da história diz respeito ao registro de todos os nomes na Conservatória Geral do Registo Civil, em que a única conexão entre os vivos e os mortos é dada pelo fio de Ariadne: todos os nomes estão entre os vivos ou os mortos, mas há barreiras que impedem a transposição de um mundo para o outro. Por fim, há um trecho no fim do livro que evoca a indiferença para com a morte como um ato final, em que a memória e os costumes humanos é que tornam as pessoas de fato mortas - a metáfora do pastor evidencia que na morte, o que restou da parte física é indiferente. Todos os Nomes é um livro tematicamente interessante, narrativamente instigante, rico em termos de linguagem e vocabulário, mas confuso em sua execução e escopo. Indico a leitura para quem já conhece algum livro do autor e quer um apanhado de temas por ele comumente abordados e uma narrativa repleta de metáforas que aludem a esses mesmos temas.