Gabriela 10/11/2023
O homem do subsolo é tão insuportável quanto todos nós
Tempo demais isolado faz mal pra cabeça.
Eu simplesmente AMO todos os questionamentos existencialistas do homem do subsolo. E eu também amo todas as mentiras que ele conta sobre si mesmo, e todas as vezes que ele se corrige ou admite as mentiras pro leitor. Eu amo o jeito com que nos faz odiar ele mais a cada página, e que bem por isso demonstre uma necessidade gigantesca de ser notado (inúmeras referências a ser tão pequeno quanto um inseto). Ele é superior a nós, ou inferior a nós? Acho irrelevante. Ele só quer ser notado por nós, ele quer ser visto por alguém, ele quer ser alguém. E o pior de tudo é que ele provavelmente passou tanto tempo dentro do subsolo, dentro daquela cabeça doentinha, que quando ele tem alguma oportunidade de se apresentar positivamente em sociedade, ter alguma chance de relacionamento, ele estraga tudo nas primeiras duas frases.
No final, ele ainda nos considera insuficientemente inteligentes para ter entedido a lógica do relato todo, e explica algumas intenções - quando poderia ter deixado no ar: quem entendeu, entendeu. Mas ele é tão arrogante a ponto de presumir que ninguém entenderia. (Talvez seja mais sensatez do que arrogância, tendo em vista a capacidade de interpretação de algumas pessoas.)
É muito suspeito pra mim falar do Dostoyevsky. Ele foi meu primeiro amor russo, e a porta de entrada pra drogas mais pesadas - ou não, Tolstoy nem é tão punk. Mas ele foi o primeiro, e desde então, tudo que leio dele me faz sentir uma alegria imensa de saber que ALGUÉM escreveu isso; alguém realmente pensou esses pensamentos, refletiu sobre essas coisas e se demorou a escrever romances enormes sobre temas "cotidianos". O cara cai de cabeça em temas extremamente simples e interessantíssimos. Ele transforma mínimas coisas em questões fundamentais. Ele pega cada pequeno aspecto que nos torna humanos e expõe tudo sem medo nenhum do exagero.
O homem do subsolo representa um pouco de mim, eu acho, um pouco de todo mundo. É aquela parte feia, suja, pedante, doente e mimada que ninguém admite ter, que ninguém gostaria de ter. As aventuras dele travadas somente dentro da própria cabeça, as mil conjecturas, os mil pensamentos, a ansiedade, é tudo tão realista pra mim que chega a doer ver ele se metendo nas situações. E, ao mesmo tempo, eu sinto uma raiva dele... Acho extremamente insuportável, romanesco, dramático, exagerado, ele me cansa. E por isso mesmo eu sinto como se ele fosse real, como se fosse parte minha, parte de todo mundo.
Amo demais esse livro, recomendo pra todo mundo que deseje começar a entender o que é essa maravilha febril chamada literatura russa.