debora-leao 03/06/2024
A impotência do humano frente ao mundo e o que podemos fazer
Li O Sol é para todos para fugir de uma ressaca literária (a minha primeira) após ler Autran Dourado. Nada me parecia ser igual. Queria algo leve E realista, o que me parecia impossível. E foi aí que lembrei de O Sol é para todos.
Isso já deixa claro que entrei com expectativas. Não sobre a execução ou sobre profundidade, mas sobre ser algo leve mas não superficial. E o livro, mesmo assim, com tanta expectativa, não me decepcionou.
Sim, a obra é atual. Sim, ela é muito inteligente e sensível ao mostrar horrores e complexidades sociais pelo olhar de uma criança. Mas ela também tem algo de diferente: ela é misericordiosa. Ao fazer isso, ela te poupa. Ela permite fingir que você não entende o que está acontecendo.
Ela é misericordiosa na linguagem: é rápida, engraçada, ferina, no ritmo da fala. No ritmo da reflexão que vem do mundo aplicado. Scout pensa, reflete, mas o faz à flor da pele: sua reflexão ocorre enquanto ela anda, enquanto ela vê o mundo.
A história, ou seja, os eventos, o que acontece, é o mais importante nesse livro, mas eu destacaria também dois elementos de peso e muito idiossincráticos ao livro: o tempo, que é o tempo da infância, de longos períodos que passam rápido, e de pequenos momentos que são minuciosos, pormenorizados em nossa mente e em nossas lembranças... o livro faz isso também; e os pensamentos de Scout, que se misturam aos fatos, viram quase diálogo, enquanto os diálogos às vezes não revelam os pensamentos...
Amei os personagens de maneira geral. Atticus estará sempre em meu coração. Mas os demais também são reais em suas ficções: são partes de pessoas, são aspectos do humano, representam o conflito entre o mundo externo e interior, que muitas vezes apenas não sabe o que fazer, como ser. A tia de Scout, a vizinha, a professora, a vizinha idosa resmungona, a família Radley. Todos falam da nossa impotência na vida humana e de decisões difíceis que tomamos, mesmo quando são decisões impensadas, para lidar com o mundo dentro de nós.
Fica o aviso: apesar de recortado, os
acontecimentos do livro, contudo, são realistas. Você gostaria que terminassem de maneira diferente, mas é a vida como é. Não é só triste, é plausível. Continua cabendo a nós mudar isso e dar a chance da história ser apenas trágica um dia, quando o racismo deixar de ser uma questão. Mas hoje o que essa obra consegue fazer é falar do real sem deixar de ter esperança, falar do que é triste e também real antes dele ser inevitável, supremo, inexorável.
Que possamos todos olhar a vida como a Scout. Encaixar as coisas na sua justa medida, olhar as pessoas além das suas paixões, saber falar e saber não falar. Que não matemos um passarinho sem razão.