Marcelo217 24/08/2024
O sol é mesmo para todos?
Esse é mais um dos livros que protelei a leitura, mas finalmente surgiu a oportunidade certa para ler e confesso que com a leitura feita as minhas expectativas foram positivas, mas não foram atendidas da forma que imaginei.
O livro trata sobre um recorte temporal que ocorre em Maycomb, condado do Alabama, por volta dos anos 30 do século XX. Através do ponto de vista de Scout, filha de um advogado da cidade, a história é transmitida pela sua ótica, onde certos acontecimentos são descritos de forma simples e direta. O racismo em uma sociedade conservadora é o tema que mais se sobressai na narrativa. O conflito ocorre quando um negro é acusado de um possível abuso sexual por uma família branca. O advogado põe em risco seu sobrenome, sua reputação profissional e a segurança de sua família pra defendê-lo. A narrativa com temática sensível consegue desenvolver essas relações delicadas e complexas de forma bem sucedida, mas a execução peca na construção da trama.
Em relação ao conteúdo, o autor traz uma série de práticas feitas em família que constroem a dignidade da família Finch. O embate vindo desse contraste com a sociedade conservadora da época faz o relato comovente e interessante de acompanhar através do olhar narrativo inocente. Questões relacionadas à conduta, consciência e coragem são os pilares que sustentam o grande dilema da história.
Quanto à escrita, o dilema principal é disposto de forma irregular e isolada. Em uma narrativa simples sob a perspectiva de uma criança acompanhada de seu irmão mais velho, a ambientação da história é dispersa (se foi intencional, faz muitos aspectos da história serem irrelevantes e desnecessários) e o cotidiano toma conta de grande parte do início do livro. As descrições, principalmente as espaciais, são confusas, não são uniformes e fazem o relato peculiar, porém não harmonioso e em alguns momentos, (mesmo com a linguagem simples) difícil de compreender.
A relação familiar, a conduta moral dos indivíduos da época, bem como a sua integridade são temas que são desenvolvidos desde o início para que o tema principal seja abordado. Apesar de convincente, o clímax do livro, ao meu ver, acontece muito cedo, deixando o restante da extensão do livro morna, os acontecimentos previsíveis e o desenvolvimento destes, abruptos e mal elaborados.
É fácil perceber que esse livro não é um simples clássico datado. A mensagem contida é necessária, inclusive em contextos atuais. Com uma literatura de denúncia discreta em uma proposta decolonial, "O sol é para todos" demarca um período específico da história onde a justiça para o negro não existia, mas o anseio por uma igualdade dos direitos do indivíduo em sociedade é um dos pontos mais relevantes de se apontar na escrita de Harper Lee. Apesar de trazer temas sensíveis e complicados para se compartilhar com crianças de forma tão natural (livro com crianças, mas não para crianças) dentro da narrativa, a ambientação histórica e suas reflexões fazem a leitura valer a pena.