Larissa Castro 19/07/2014
Registros da Lost Generation
Em O sol também se levanta (1926), Ernest Hemingway apresenta ao leitor uma obra que poderia ser considerada como o retrato do cotidiano de uma geração, a Lost Generation, termo que tem sua origem atribuída à escritora Gertrude Stein, e que se refere ao grupo de escritores norte-americanos vivendo em Paris e em outras cidades européias ao fim da Primeira Guerra Mundial, no início da Grande Depressão, como T. S. Eliot, F. Scott Fitzgerald e o como próprio Hemingway.
Com uma narrativa bastante descritiva e pouco empolgante, a única questão relativamente intrigante é a relação entre os personagens principais, especialmente entre Lady Brett Ashley e o restante dos componentes do grupo de conhecidos, por ser a única figura feminina em destaque na obra. O que chama primeiramente a atenção é a relação indefinida que a mesma possui com Jake Barnes, protagonista e narrador da história – possivelmente, a representação do próprio Hemingway –. Fica claro que ambos compartilham de uma forte ligação e, consequentemente, de um sentimento amoroso, porém, apesar deste sentimento, há um grande empecilho entre os dois: a impotência sexual de Jake, causada por um ferimento de guerra, atrelado à incapacidade que Brett possui de se relacionar com apenas um homem, incapacidade justificada possivelmente pelo tédio contido em passar o resto da sua vida com o seu "verdadeiro amor", como ela mesma chega a revelar, e por ser uma "colecionadora de conquistas", como afirma Jake outrora. Este, por outro lado, apesar de reconhecer que não poderiam dar certo como um casal, é fortemente tentado pelo desejo de compartilhar uma vida ao lado dela, concluindo sempre com melancólica resignação as discussões acerca dessa possibilidade. Assim como Jake, também ficam vítimas dos encantos da boêmia Lady a maior parte dos personagens masculinos: o obsessivo por Brett, Robert Cohn, que parece nunca superar um fim de semana que passaram juntos; Mike Campbell, que se torna noivo de Brett e, por isso, inimigo de Cohn; e, por fim, o jovem toureiro Romero, o qual o grupo vem a conhecer mais tarde, e cuja beleza e talento são reconhecidos e admirados por todos, inclusive pelos personagens masculinos, beleza essa que atrai Brett a mais um personagem masculino, sendo Bill Gorton, amigo de Jake, o único a não ter relações sexuais ou afetivas com Brett. Essas relações são o que tornam Lady Brett Ashley a personagem mais psicologicamente rica da narrativa, podendo ser criticamente analisada sob diferentes aspectos. Ela poderia representar um retrato de uma mulher emocionalmente desprendida, intensamente livre do ponto de vista sexual e comportamental, ou, em contrapartida, o retrato de uma mulher cujo comportamento sexual se justifica por uma enorme carência proveniente de um vazio interior, de uma frivolidade ou, até mesmo, de mau-caratismo, comportamento este que frequentemente resulta em sua insatisfação e melancolia – esta última atribuindo charme especial à personagem em questão – cabendo ao leitor julgá-la melhor como bem entender, guiado por seus respectivos valores.
Apesar do contexto pós-guerra, há pouco drama envolvido nos acontecimentos da narrativa, que giram basicamente em torno de bebedeira constante e ressacas diárias, touradas, festas e viagens, reservando seus poucos momentos de tensão às implicâncias entre Cohn e Mike, geradas pelo "assunto em comum": Brett, e entre Cohn e o restante do grupo, por conta de suas irritantes inconveniências. Os diálogos são claros, diretos, e por vezes interessantes, mas, ainda assim, incapazes de contornar o tédio e a ausência de elementos realmente inspiradores que permeia por todo o restante da obra.