Pedro Costa 08/12/2022
Sutilezas
O Sol Também se Levanta, escrito por Ernest Hemingway e publicado em 1926, acaba de entrar para a lista de meus favoritos. Antes de mais nada, vale ressaltar que a narrativa é bastante profunda e repleta de mensagens subliminares. Nela o autor abusa (no bom sentido!), das metáforas e dos simbolismos... definitivamente não a recomendo para leitores rasos ou superficiais, que certamente a detestarão.
Hemingway era controverso como a maioria dos autores do final do século XIX e primeira metade do século XX, fossem eles, americanos, franceses, ingleses ou russos. Ele defendia o comunismo (do que o perdoo pelo simples fato de na época não se dispor do conhecimento histórico que temos hoje), mas também ostentava um comportamento antissemita explícito; não sei quanto disso se deve a ter pertencido à chamada “geração perdida”, que grassou pela boemia parisiense no período entre guerras e que testemunhou as consequências da grande depressão de 1929... acabou por suicidar-se em 1961, um ano antes do meu nascimento, meio que repetindo o gesto do pai, morto 33 anos antes.
A meu ver, Hemingway alcançou a plenitude artística em O Velho e o Mar (1952), onde logrou atingir o ápice da sutileza numa exposição metafórica do confronto entre o ser e seu fracasso; entretanto, em O Sol Também se Levanta ele já dá uma generosa mostra desse grande talento previamente detectado pela poetisa Gertrude Stein, cuja influência no estilo é perceptível, ainda que ligeiramente, nesta obra.
Eu fico horrorizado com a quantidade de resenhas e comentários que tenho encontrado a respeito deste livro, nos quais leitores aparentemente “esclarecidos” reclamam tratar-se de um livro sobre nada, uma narrativa sobre bebedeiras, viagens sem destino, tramas amorosas banais de enredo sem sentido, enfim, superficialidades... vi resumos do tipo “cinco pessoas viajam para fazer o que mais sabem: beber, beber e beber, desde o café da manhã até a noite”. Li descrições absurdas da personagem Brett como “uma mulher além de seu tempo, que não tem interesse em relacionamentos estáveis e que gosta de se divertir, ou mesmo fazer os homens de bobos”... Resumindo, as menos negativas concluem não ser uma leitura de grandes emoções, apesar de o texto fluir bem.
Haverá quem me queira linchar por isso! Lamento desaponta-los, mas superficial é o alcance de sua leitura. Não basta saber o que significa cada palavra seguida de outra; também é necessário ser capaz de com elas formular ideias, compreender conceitos, decifrar enigmas e traduzir metáforas, além de, de vez em quando, ter que identificar tudo isso nas entrelinhas... do contrário, onde estaria a profundidade? Quem almeja a profundidade precisa ter fôlego suficiente para mergulhar, ou braços fortes o bastante para cavar... desculpe, não tem jantar grátis!
Este foi o primeiro romance aclamado do autor. O livro pode ser considerado um roman à clef (romance com uma chave), pois talvez conte com inserções de experiências autobiográficas. Não vou me aprofundar nisso para não dar spoiler além do tolerável. O que posso adiantar é que se trata de um grupo de expatriados do pós-guerra, cada qual com seus dramas pessoais e traumas particulares; a paixão desses personagens boêmios, sua vontade insaciável de festejar, dançar, comer e beber, na verdade não passam de camuflagem para a solidão de cada um. O contraste da ensolarada Espanha com a “suja” Paris é meio que exagerado, de modo a sugerir que o país fosse um escape para esses buscadores, mas tanto a bebida como as emoções fortes avidamente procuradas em Pamplona, não são capazes de tira-los do vazio interior.
Apesar de ainda manter resquícios de seu estilo marcante, herdado da origem jornalística, Hemingway consegue de forma única materializar nesta obra sua “Teoria do Iceberg”, cuja definição transcrevo aqui nas palavras do próprio autor:
“Se um escritor de prosa sabe o bastante sobre o assunto do qual está falando, ele pode omitir coisas que sabe e o leitor, se o escritor está escrevendo de forma verdadeira o bastante, sentirá essas coisas com tanta força como se o escritor as tivesse afirmado. A dignidade do movimento de um iceberg existe porque apenas um oitavo dele está acima d’água. Um escritor que omite coisas porque não as conhece apenas cria lugares vazios na sua escrita”.
Mais profundo que isso impossível!
Pedro Costa.
site: “Pensando Bem...” (https://pedrolcosta.blogspot.com/)