Alê | @alexandrejjr 08/02/2021
O visceral realismo de Bolaño
O primeiro contato com a lenda a gente não esquece. O chileno Roberto Bolaño carrega, para quem não sabe, a alcunha de ser o “último grande escritor” que a América Latina produziu. E não, não digo isso gratuitamente, pois muita gente de peso - e muita gente especializada no assunto - também concorda com essa assertiva.
A escolha do meu primeiro contato com Bolaño seguiu a lógica que aplico com outros escritores de grande porte: começar por livros menores. Por isso, o eleito foi este curtíssimo “Chamadas telefônicas” pois, além de me introduzir ao mito, o livro cumpre outra função importante que é me familiarizar com narrativas breves. E a experiência foi boa.
O livro possui 14 contos divididos em três seções: Chamadas telefônicas, Detetives e Vida de Anne Moore. Posso afirmar que todos, sem exceção, são muito bem escritos. Além disso, a característica comum que dá certa unidade a todos eles pode ser descrita como a busca por um realismo visceral. Você entra nos contos, até nos menos interessantes, porque observa neles uma realidade muito crua, nua mesmo, o que causa uma sensação de identificação, seja em maior ou menor grau. No livro, as breves narrativas lidam com um desses três temas principais: literatura, sexo e violência.
Para não alongar este texto que já está grande, vou destacar apenas os contos que prenderam a minha atenção com mais, digamos, competência. E para isso iniciaremos do começo. O conto “Sensini” é uma boa carta de apresentação para qualquer um que pretende conhecer Bolaño, pois mostra a habilidade do escritor em criar uma história que trata de literatura - tema caro ao chileno - com um misto de mistério. Há também os interessantes “Uma aventura literária” e o “Chamadas telefônicas”, ambos exemplos incríveis do uso de um estilo refinado aliado a uma técnica convincente. No entanto, o grande destaque do livro fica por conta do longo “Detetives”, um primor textual que, não por acaso, tem o alter-ego do escritor entre as personagens: Arturo Belano. Um misto de paranoia com páginas policiais, mistério e choque de realidade. Esse conto por si só já vale o investimento no livro.
Há um porém, como tudo na vida. O livro exala testosterona em demasia, o que não é necessariamente um defeito, mas que torna-se um problema quando o escritor arrisca pisar no universo feminino. Isso é mais notável nos contos “A neve”, “Joanna Silvestri” e “Vida de Anne Moore”, em que as decisões ou atitudes tomadas pelas personagens femininas geram, se não uma certa sensação de inverossimilhança, pelo menos a possibilidade de dúvida, de questionamento dos leitores.
A leitura de “Chamadas telefônicas” não foi marcante, mas me deu vontade de conhecer mais a respeito de um escritor que nos deixou cedo demais e não pôde ver e usufruir do tamanho da sua literatura. Vale.