Benigno_Lê 31/10/2024
O livro conta a história de Rodion Romanovitch Raskólnikov, um ex-estudante de direito de 23 anos que comete um crime, o assassinato de sua agiota e a irmã desta, e passa a ser atormentado pelos seus próprios pensamentos e suspeitas alheias após tê-lo feito. Existem outras tramas que também se dão ao longo da história juntamente com aquela que dá nome à obra.
Com esse livro entendi a estrutura dos nomes russos: (Nome) + (Nome do pai + -ovitch(-ovna)) + Sobrenome. Além de compreender que existem diversas maneiras de se chamar alguém de forma carinhosa em russo.
Enquanto lia, percebia uma construção de personagem diferente daquela que estou acostumado. O planejamento do crime de Raskólnikov me fez lembrar um pouco o Kira, de Death Note. Entretanto, enquanto no anime do século XXI o protagonista é tratado como extremamente inteligente, frio, um verdadeiro psicopata, tendo seus planos sempre (ou quase sempre) o desfecho esperado, sem nunca ser atormentado pelo ato de matar, no livro do século retrasado, o protagonista se vê diante de vários questionamentos de suas atitudes, chegando a ficar doente após cometer o crime. Estava sentindo falta de uma visão mais "emotiva", "moralista" da mente humana após o assassinato.
Apesar dessa perspectiva, Rodion ainda é uma pessoa fria. O protagonista ficou extremamente abalado com suas atitudes, mas não se arrependeu do crime. Não se viu capaz de utilizar o dinheiro e pertences furtados, não por remorso (pode-se pensar que houve uma influência disso, apesar de Rodion não reconhecer), mas sim por ter sido afetado emocionalmente pelo crime, por não se ver na imagem dos grandes nomes militares, que derramavam rios de sangue e eram glorificados.
Ródia (Rodion, na versão carinhosa) formulou uma tese de que existiam dois tipos de pessoas: ordinárias e extraordinárias, as primeiras são pessoas comuns, as últimas são pessoas especiais, cuja visão de mundo, cujas ações, mesmo que vis, são justificadas pelos seus objetivos finais, de modo que não deveriam viver sob o jugo da lei. Essa tese me lembrou o super-homem de Nietzsche (apesar de eu conhecer pouco de sua obra), o homem além da moral construída pelos outros. Por fim, o incômodo de Raskólnikov foi o de se ver como uma pessoa ordinária; ele quis matar para mostrar (para quem?) que era extraordinário, que poderia matar pessoas inúteis, ruins (sua agiota), a fim de utilizar o produto do roubo para auxiliar nos seus estudos, sua família. Eu mesmo fiquei incerto quanto às reais motivações do protagonista, mas gira em torno disso. O quanto o seu psicológico abalado, pela pobreza, pela má alimentação, pelo desemprego pode ter influenciado nisso eu não sei responder, mas, com certeza, Dostoiévski quis trazer esses temas para sua obra, que ficam evidentes nas descrições dos ambientes e pessoas com que convive o protagonista.
Válido destacar um detalhe que me foi introduzido por Alexandre Linck, do canal Quadrinhos na Sarjeta: nas obras ocidentais (ou no público ocidental, ou ambos) existe uma empatia maior para o protagonista da história. Quando as histórias tratam de heróis, até que isso não se faz um problema, mas quando a trama descreve anti-heróis, vilões, ou pessoas normais (que possuem qualidades e falhas), podemos ser tendenciosos quanto ao julgamento das atitudes do protagonista, de modo que, acredito, fui influenciado a não "pegar tão pesado" ao julgar Ródia.
Gosto bastante da escrita do autor, apesar de ficar um tanto confuso em alguns diálogos. Ele mostra, de forma orgânica, sincera, os pensamentos do criminoso, suas motivações, seu modo de pensar, suas angústias, medos, seus pensamentos mais perturbadores, suas inseguranças. Mas consegue descrever com emoção o acolhimento e amor da mãe e da irmã de Raskólnikov, Pulchera e Avdótia (Dúnia). Gostei muito, ao fim do livro, quando Ródia, com dificuldade, conversa com sua mãe e posteriormente com sua irmã e elas mostram seu acolhimento e afeto.
Minha parte favorita do livro foi quando Raskólnikov confessa seu crime para Sofia. Ali ele destrincha seus pensamentos, deixa claras suas ideias (por mais questionáveis que sejam), mostra seu sofrimento e confusão para a moça, que também o acolhe. Acho que esse momento diz muito sobre as pessoas, o que buscamos, afinal, nos nossos momentos mais sensíveis, tristes, desesperados, é atenção, carinho e acolhimento (inclusive, hoje, por acaso, vi um vídeo sobre o aspecto dual do impacto das igrejas evangélicas na sociedade brasileira, cujo aspecto positivo é justamente esse acolhimento, que deve ser visto caso a caso para ser melhor entendido. O vídeo é do Humberto Matos).